abril 25, 2013
Direito de Família - ADOÇÂO - Jurisprudência - TJMG
EMENTA: APELAÇÃO CÍVEL - FAMÍLIA -
AÇÃO DE DESTITUIÇÃO DE PODER FAMILIAR C/C ADOÇÃO - CRIANÇA ENTREGUE AOS
ADOTANDOS PELA MÃE BIOLÓGICA - FATO OCORRIDO HÁ MAIS DE 07 ANOS -
AMBIENTE FAMILIAR FAVORÁVEL - - MATERNIDADE RESPONSAVEL - GENITORA
DESPROVIDA DE CONDIÇÕES PARA EXERCÍCIO DO MISTER - PROCEDÊNCIA DOS
PEDIDOS - MELHOR INTERESSE DA MENOR - CONSOLIDAÇÃO DO "STATUS" DE FILHA -
SENTENÇA MANTIDA.
Demonstrado que a criança, outrora
entregue pela genitora ao casal adotante, se encontra inserida em
ambiente favorável ao seu integral desenvolvimento, sendo destinatária
de toda atenção e carinho necessários à educação e crescimento saudável
e, ainda, que a mãe biológica não reúne condições para desempenho dos
deveres inerentes à maternidade responsável, deve ser mantida a sentença
que julga procedentes os pedidos lançados em ação de destituição do
poder familiar c/c adoção, haja vista refletir o atendimento do melhor
interesse da adotanda, que faz jus à consolidação do "status" de filha
por ela ostentado há mais de 07 anos.
APELAÇÃO CÍVEL Nº
1.0362.09.098572-6/001 - COMARCA DE JOÃO MONLEVADE - APELANTE(S): E.S.L.
- APELADO(A)(S): J.H.F.D. E OUTRO(A)(S), C.H.R.
A C Ó R D Ã O
(SEGREDO DE JUSTIÇA)
Vistos etc., acorda, em Turma, a 2ª
CÂMARA CÍVEL do Tribunal de Justiça do Estado de Minas Gerais, na
conformidade da ata dos julgamentos, à unanimidade, em NEGAR PROVIMENTO
AO RECURSO.
DES. AFRÂNIO VILELA
RELATOR.
DES. AFRÂNIO VILELA (RELATOR)
V O T O
Em análise apelação aviada por E.S.L.
contra a sentença de f. 109/119 que nos autos da ação de adoção c/c
destituição do poder familiar aviada por J.H.F.D. e C.E.R. julgou
procedentes os pedidos, para destituir o poder familiar exercido pela
requerida e conceder a adoção da menor M.E.S.L. aos requerentes, ora
apelados, determinando, por conseguinte, a expedição do mandado de
transcrição da sentença no registro civil competente, na forma prevista
no artigo 47 da Lei 8.069/90.
Em suas razões de f. 122/126 a apelante
assevera que a permanência da filha sob os seus cuidados traduz o
melhor interesse da menor, o qual restou inobservado na r. sentença. Que
nunca teve intenção de abandonar a filha, já que por inúmeras vezes
tentou visitá-la na residência dos apeados, nunca tendo conseguido êxito
no intento por nunca encontrá-los, o que denota a intenção destes em
impedir qualquer contato da menor com a sua genitora. Assevera que ao
tempo do ajuizamento da demanda não possuía condições de manter a menor,
situação que não mais persiste e que lhe move na interposição do
presente recurso. Alega possuir uma vida simples, renda estável e se
encontra sob acompanhamento psicológico, de forma que a manutenção da
filha sob sua companhia não trará nenhum malefício a menor. Invoca os
ditames da Lei 12.019/2009 para asseverar que o afastamento da criança
do convívio com seu convívio com a família natural ou extensa requer o
exaurimento de todas as tentativas de recomposição dessa, devendo ser
considerado, na espécie, que a mãe está apta para desempenho do papel
parental.
Contrarrazões às f. 130/131.
A sentença foi mantida em juízo de retratação, conforme decisão de f. 132.
A Procuradoria Geral de Justiça, em seu parecer de f. 141/145, manifestou-se pela manutenção da r. sentença.
Atendidos os pressupostos de admissibilidade, conheço do recurso.
Busca a ora apelante a reforma da
sentença, argumentando, meritoriamente, em síntese, que a colocação da
criança em família substituta constitui medida excepcional cabível
quando esgotadas todas as medidas para recolocação na família biológica,
o que não restou configurado na espécie, reunindo ela própria condições
para permanecer com a filha.
Primeiramente, cumpre registrar que a
proteção integral à criança e a efetivação de seus direitos, tem
previsão no art. 227, caput, da Constituição Federal, de acordo que
regula, in verbis:
"É dever da família, da sociedade e do
Estado assegurar à criança, ao adolescente e ao jovem, com absoluta
prioridade, o direito à vida, à saúde, à alimentação, à educação, ao
lazer, à profissionalização, à cultura, à dignidade, ao respeito, à
liberdade e à convivência familiar e comunitária, além de colocá-los a
salvo de toda forma de negligência, discriminação, exploração,
violência, crueldade e opressão".
De igual modo, o ECA-Estatuto da Criança e do Adolescente (Lei nº 8.069/90) dispõe que:
"Art. 3º A criança e o adolescente
gozam de todos os direitos fundamentais inerentes à pessoa humana, sem
prejuízo da proteção integral de que trata esta Lei,
assegurando-se-lhes, por lei ou por outros meios, todas as oportunidades
e facilidades, a fim de lhes facultar o desenvolvimento físico, mental,
moral, espiritual e social, em condições de liberdade e de dignidade.
Art. 4º É dever da família, da
comunidade, da sociedade em geral e do poder público assegurar, com
absoluta prioridade, a efetivação dos direitos referentes à vida, à
saúde, à alimentação, à educação, ao esporte, ao lazer, à
profissionalização, à cultura, à dignidade, ao respeito, à liberdade e à
convivência familiar e comunitária. [...]
Art. 5º Nenhuma criança ou adolescente
será objeto de qualquer forma de negligência, discriminação, exploração,
violência, crueldade e opressão, punido na forma da lei qualquer
atentado, por ação ou omissão, aos seus direitos fundamentais".
O ordenamento jurídico brasileiro
também inclui normas que tratam, especificamente, dos deveres dos pais
para com seus filhos, a exemplo do art. 229 da Constituição Federal,
segundo o qual "os pais têm o dever de assistir, criar e educar os
filhos menores, e os filhos maiores têm o dever de ajudar e amparar os
pais na velhice, carência ou enfermidade."
E do Código Civil:
"Art. 1.634. Compete aos pais, quanto à pessoa dos filhos menores:
I - dirigir-lhes a criação e educação;
II - tê-los em sua companhia e guarda;
III - conceder-lhes ou negar-lhes consentimento para casarem;
IV - nomear-lhes tutor por testamento
ou documento autêntico, se o outro dos pais não lhe sobreviver, ou o
sobrevivo não puder exercer o poder familiar;
V - representá-los, até aos dezesseis
anos, nos atos da vida civil, e assisti-los, após essa idade, nos atos
em que forem partes, suprindo-lhes o consentimento;
VI - reclamá-los de quem ilegalmente os detenha;
VII - exigir que lhes prestem obediência, respeito e os serviços próprios de sua idade e condição."
O art. 22 do Estatuto da Criança e do Adolescente, por sua vez, prescreve que:
"Aos pais incumbe o dever de sustento,
guarda e educação dos filhos menores, cabendo-lhes ainda, no interesse
destes, a obrigação de cumprir e fazer cumprir as determinações
judiciais."
O desatendimento das obrigações
legalmente previstas autoriza a destituição do poder familiar, consoante
infere-se do art. 24 do ECA, que assim estabelece:
"A perda e a suspensão do poder
familiar serão decretadas judicialmente, em procedimento contraditório,
nos casos previstos na legislação civil, bem como na hipótese de
descumprimento injustificado dos deveres e obrigações a que alude o art.
22".
Sobre o tema, o Código Civil preconiza que:
"Art. 1.635. Extingue-se o poder familiar: [...];
V - por decisão judicial, na forma do artigo 1.638.
O dispositivo mencionado dispõe que:
"Art. 1.638. Perderá por ato judicial o poder familiar o pai ou a mãe que:
I - castigar imoderadamente o filho;
II - deixar o filho em abandono;
III - praticar atos contrários à moral e aos bons costumes;
IV - incidir, reiteradamente, nas faltas previstas no artigo antecedente."
In casu, em que pese a argumentação
desenvolvida pela apelante, a detida análise dos autos reflete a
impossibilidade de reforma da sentença proferida pela Exma. Juíza Paula
Murça Machado Rocha Moura.
Isso porque, não há controvérsia quanto
às circunstâncias em que os apelados receberam a menor diretamente da
genitora, ora apelante.
Ao que consta, a apelada e o seu
companheiro, foram trabalhar no sítio de propriedade dos apelados quando
a menor M.E., nascida em 21/01/2003, contava com apenas 01 (um) ano e
(sete) meses de idade, tendo abandonado o emprego após transcurso de 06
(seis) meses, oportunidade em que a apelada, descontrolada em virtude de
ter brigado com o companheiro, ao ser indagada pelo requerente, seu
então empregador, quanto ao destino da menor, informou que a jogaria em
um riacho.
Os requerentes se propuseram a
permanecer com a criança, cuja posse nunca fora anteriormente reclamada
pela genitora, apenas se manifestando essa intenção após propositura da
presente demanda, o que se deu após transcurso de mais de 05 (cinco)
anos.
Assim, ao revés das razões expostas na
petição recursal, a criança foi entregue aos apelados, ex-patrões da
requerida, não tendo esta sequer se disposto a manter o vínculo com a
filha, sequer visitando a criança, limitando-se a asseverar que nunca
logrou encontrar os apelados em casa, inexistindo qualquer prova que
corrobore aludida alegação.
A apelante possui outras 03 (três) filhas, sendo que nenhuma delas reside em sua companhia.
Em 11/0/2008, foi deferida a suspensão
do poder familiar com relação às menores, L.C.S.L. e P.M.S., conforme se
infere do conteúdo da peça coligida às f. 63/70, posto que as crianças
se encontravam em situação de risco, ao abandono e sujeitas à violência
doméstica", colimando na institucionalização de ambas.
A outra filha, R.M.S.L., foi retirada
da companhia da mãe pelo genitor pelo fato de ela ter permitido que o
companheiro, pai das outras menores, já falecido, batesse na criança. A
menor reside com a família paterna na cidade de Belo Horizonte e não
possui qualquer contato com a genitora desde o ano de 2002.
Houve, portanto, inequívoco abandono e
descaso da genitora para com as filhas mais velhas, o mesmo ocorrendo
com a pequena M.E.S.L. que há mais de 08 anos foi acolhida pelos
apelados que, temerosos pelas ameaças da mãe de jogar a criança, então
com pouco mais de 02 anos de idade na lagoa, a receberam da mãe
biológica, assegurando-lhes um lar dotado de carinho e condições
favoráveis ao seu desenvolvimento físico e emocional.
É o que se infere do relatório de estudo social datado de 26/08/2009, acostado às f. 27/29:
"...M.E.S.L., foi criada com vínculo
familiar com C., que a chama de mãe, J.H,, como o seu pai. E os filhos
do casal são como seus irmãos.
Atualmente a criança tem cinco anos em
companhia do casal..." "M;E., com 06 anos de idade freqüenta a Escola
João XXIII, na série inicial. Apresenta temperamento agitado, faz
acompanhamento dcom a psicóloga A., no Posto de Saúde do Novo Cruzeiro,
que a encaminhou para a neuropsiquiatria."...
"M.E. é uma criança bem cuidada..."
"Tem suas vacinas e consultas em dias. Matriculada em escola e
freqüente. O casal a batizou, pois são (sic!) católicos. Convive em
ambiente familiar estruturado, onde recebe carinho, amor, educação e
ética moral. Os filhos de C. e J.H. demonstram ser bem educados".
O aludido documento também informa que a
apelante "não apresenta condições para educar e nem preservar a
integralidade moral de uma criança", havendo inclusive de que ela
"apresenta sexualidade aguçada, e ultimamente fora detida por se
encontrar fazendo sexo à luz do dia".
No mesmo sentido, revela-se uníssona a prova testemunhal produzida.
"... a relação de M.E. e os requerentes é de pai e mãe e filhos; que tem bom relacionamento com os irmãos".
"...que o relacionamento entre a
requerida e a menor era um pouco afastado; que no começo a requerida
visitava mais a menor; que depois ela sumiu" (f. 79).
A menor também foi ouvida, tendo
manifestado, de forma clara e segura, o desejo de ser adotada pelos
apelados, conforme teor do depoimento pessoal de f. 78, transcrito na
íntegra:
"...que conta com oito anos de idade;
que estuda na Escola Estadual Padre João Alves Martins da Costa. Que
está na terceira série; que é boa aluna; que as coisas em casa estão
bem; que mora em companhia da mãe, de seu pai e de seus irmãos; que tem
três irmãos filhos de D.E; que D.E. é sua mãe; que sabe que está neste
Fórum porque sua mãe e seu pai querem passar seu nome para o nome deles;
que quer ter o nome de seus pais; que quer se chamar M.E.F.D.; que não
tem contado com sua mãe E; que suas irmãs P. e L. foram à sua casa com
os pais dela"... "Que C. é a sua mãe de coração; que gosta mais de sua
mãe C; que gosta de sua mãe E. só um pouquinho; que lembra só um
pouquinho de quando morava com a sua mãe E; que é melhor mora co sua mãe
C." (f. 78).
Assim, o fato de a apelante atualmente
possuir renda financeira estável, proveniente de auxílio previdenciário,
não autoriza concluir que ela possa exercer os deveres inerentes ao
poder familiar, dentre os quais se inclui dirigir a criação e educação,
mister para o qual não se encontra preparada, consoante bem detalhado no
estudo social de f. 59/62.
Mostra-se relevante o trecho alusivo à
entrevista realizada junto à psicóloga M.A.S., profissional responsável
pelo acompanhamento da apelante no SESAMO, local onde era atendida em
função do quadro de epilepsia.
"...relatou estar a Sra. E. infreqüente
naquele serviço desde Abril de 2009, confirmou o fato dela ser paciente
do serviço em função de episódios convulsivo, porém descreve o seu
comportamento como sendo "errante, acho muito complicado a E. ser
responsável por uma criança, ela é muito inconstante". Questionada sobre
a época em que deu o fato de M.E. ser entregue para os rquerentes, essa
disse: "não houve atitude de má-fé do Sr. H., a E. entregou M.E, par ao
H. por que ela quis e chegou a comentar comigo que tinha feito isso
(...) ele inclusive acompanhou ela (sic!) aqui no serviço um tempo,
buscava remédio (...). A permanência de M.E. com H. foi consentida por
E. e ela sabe disso (...) E. tem pelo conhecimento que as filhas sabem
que ela é a mãe biológica (...) esse querer dela é somente por querer".
(f. 61).
A falta de comprometimento da apelante
para com a prole foi devidamente abordada na sentença de f. 63/70,
proferida nos autos da ação de destituição do poder familiar, envolvendo
as menores L.C.S.L.B. e P.M.S.L.B., vítimas da completa falta de
responsabilidade e do comportamento inconstante da mãe biológica.
Não fosse isso, a consolidação do vínculo afetivo e familiar entre a menor e os adotantes, não autoriza a reforma da sentença.
O cotejo dos autos revela que o
acolhimento do pedido de adoção somente legaliza a condição de filha já
ostentada faticamente pela criança há mais de 08 anos, não se mostrando
viável autorizar sua entrega à apelante em função meramente do vínculo
meramente biológico, em detrimento da afetividade que norteia a
convivência mantida com os apelados, o que certamente traria inúmeros
prejuízos ao grupo familiar e, principalmente, à infante.
Impossível conceber que a apelante, já
tendo abandonado três das suas filhas, pelo simples fato de ter
melhorado a situação financeira ostentada ao tempo da entrega da filha
mais nova aos apelantes, em razão da percepção do auxílio-doença, possa
exercer a guarda da filha, quando o seu problema maior é a dificuldade
de estabelecer vínculos e assumir responsabilidades.
Menos provável ainda que, após conviver
maior parte de sua vida com os apelantes, os quais reconhece como seus
pais, dificilmente M.E., , hoje conta com 09 anos de idade, se adapte em
um ambiente novo, para viver de forma harmônica com a apelante que, não
obstante o laço sanguíneo, para ela trata-se de pessoa totalmente
desconhecida.
O liame entre a apelante e a menor é
apenas e tão somente biológico, o qual é insuficiente para desconstituir
o forte vínculo afetivo familiar construído ao longo de vários anos e
que une a criança aos apelados e vice-versa.
Tendo como norte o bem-estar da
criança, que está inserida na família dos requerentes na condição de
filha, recebendo atendimento de suas necessidades fundamentais, a
destituição do poder familiar da genitora e deferimento do pedido de
adoção revela-se a medida acertada.
Destarte, demonstrado que a criança,
outrora entregue pela genitora ao casal adotante, se encontra inserida
em ambiente favorável ao seu integral desenvolvimento, sendo
destinatária de toda atenção e carinho necessários à educação e
crescimento saudável e, ainda, que a mãe biológica não reúne condições
para desempenho dos deveres inerentes à maternidade responsável, deve
ser mantida a sentença que julga procedentes os pedidos lançados em ação
de destituição do poder familiar c/c adoção, haja vista refletir o
atendimento do melhor interesse da adotanda, que faz jus à consolidação
do "status" de filha por ela ostentado há mais de 07 anos.
Isso posto, NEGO PROVIMENTO AO RECURSO.
Custas pela apelante, suspensa a exigibilidade, porquanto sob os auspícios da gratuidade judiciária.
DES. RAIMUNDO MESSIAS JÚNIOR (REVISOR) - De acordo com o(a) Relator(a).
DES. CAETANO LEVI LOPES - De acordo com o(a) Relator(a).
SÚMULA: "NEGARAM PROVIMENTO AO RECURSO"
AUTHOR:
Dimitre Soares
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