junho 13, 2014
Mais uma decisão reconhece a MULTIPARENTALIDADE
No caso, filha menor de idade
pediu que o pai registral fosse desconsiderado pai biológico e, em
contrapartida, que o suposto pai biológico fosse declarado como tal. A
menor, de 10 anos de idade, sempre foi cuidada e educada por seus pais
registrais, ambos analfabetos e empregados, durante muitos anos, da
fazenda do suposto pai biológico, que tendo conhecimento da paternidade,
ameaçava demitir todos da família da menina se o fato fosse revelado. O
exame em DNA comprovou que o ex-patrão é o pai biológico da menor.
A juíza Ana Maria Gonçalves Louzada, presidente do IBDFAM/DF, com
base na tese da multiparentalidade, decidiu que deve ser reconhecida
tanto a paternidade socioafetiva como a biológica, com todos os seus
efeitos legais, devendo constar no registro de nascimento da menor de
idade a dupla paternidade e estabeleceu a guarda em favor da mãe e do
pai afetivo, com a convivência livre a favor do pai biológico. A
magistrada fixou alimentos devidos pelo pai biológico no valor de cinco
salários mínimos mensais. A decisão é do dia 6 de junho. Na ação foi
ressaltado que a demanda é de interesse econômico e refuta a existência
de vínculo de afeto com o pai biológico.
Paternidade socioafetiva- O pai registral afirmou,
nos autos, nutrir sentimentos de pai em relação à menina, e que a ama
como aos demais filhos que possui com a companheira, com quem mantém
união estável há 17 anos. Ele também alegou que a registrou por pensar
ser sua filha biológica, apesar de já ser vasectomizado quando a esposa
ficou grávida. Ficou demonstrado que o homem a registrou pelo afeto que
nutria pela infante, uma vez que já devia prever que não era sua filha
biológica.
A menina também demonstrou que reconhece como pai o homem que
cuidou dela desde o nascimento, quando questionada sobre com quem
morava, a menor respondeu que morava com a mãe, os irmãos e o pai. “A
afetividade mantida entre os dois, apesar de não possuírem o mesmo DNA,
faz com que deva ser mantida a paternidade até então estabelecida”,
afirmou a magistrada.
Durante o processo, o pai biológico se mostrou avesso a esta
paternidade, afirmando, inclusive, que não nutre qualquer sentimento
pela infante, que possui outra família e que pretende seguir sua vida
como antigamente. Fato este que, segundo a decisão, não concede o
direito de ver afastada a declaração de paternidade.
Filiação e parentalidade– De acordo com Ana Louzada, o direito ao
reconhecimento da multiparentalidade está embasado nos direitos da
personalidade e, em atenção ao princípio da proteção integral da criança
e do adolescente, “sempre sublinhado pelo princípio da dignidade da
pessoa humana, a multiparentalidade se desenha com cores que anunciam um
novo caminho social”, disse.
Diferentemente de tempos sombrios, lembrou a presidente do
IBDFAM/DF, hoje é possível o reconhecimento da parentalidade sem que
haja vínculo biológico. Isto porque, antes da Constituição Federal de
1988, havia no Brasil diversidade de tratamento para os filhos havidos
ou não do casamento. Até então prevalecia unicamente o aspecto da
consanguinidade, que era o fator determinante na configuração da
parentalidade. Contudo, observou a juíza, com o avanço da sociedade e da
jurisprudência hoje já é possível desvincular a filiação afetiva da
ascendência genética.
“A filiação socioafetiva constitui uma relação de fato que deve ser
reconhecida e amparada judicialmente. Isso porque a maternidade (ou
paternidade, como no presente caso concreto) que nasce de uma decisão
espontânea deve ter guarida no Direito de Família, assim como os demais
vínculos advindos da filiação”, ressaltou a juíza Ana Louzada.
Direitos da multiparentalidade- A magistrada
analisou que quando o filho é adotado no Brasil, perde os vínculos com a
família biológica (salvo os impedimentos matrimoniais), não herda e
tampouco pode pedir pensionamento alimentar. No entanto, isto não
acontece em outros países como na Argentina, onde existe um tipo de
adoção, chamada adoção simples, que não exclui o filho adotivo dos
direitos supracitados. Para ela, o acolhimento da tese da
multiparentalidade é o que vem subsidiar o melhor interesse da criança,
uma vez que poderá ser mantida e cuidada por várias pessoas.
“De se ver que a multiparentalidade, se afigura modelada a este
caso concreto. Temos flagrante paternidade socioafetiva estabelecida
entre o pai registral e a infante, bem como a evidenciada paternidade
biológica, que poderá agasalhar o melhor interesse da autora, na medida
em que poderá proporcionar a ela bons colégios, faculdade, saúde, lazer,
e, quem sabe, uma outra família que poderá amá-la”, assegurou a
presidente do IBDFAM/DF, Ana Louzada.
A juíza refletiu que o pai biológico exibe confortável situação
financeira e possui alto padrão de vida, e que “deixar de estender à
infante as benesses que esta paternidade pode lhe oferecer, é não
atentar para o melhor interesse da criança, Princípio Constitucional e
basilar do Estatuto da Criança e do Adolescente! Imprescindível que o
Direito acolha a realidade de cada pessoa, a vida como verdadeiramente
se apresenta para cada um”, garantiu.
AUTHOR:
Dimitre Soares
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