julho 17, 2013
Abandono afetivo inverso pode gerar indenização - Entrevista com Jones de Figueiredo Alves
Especialista diz que a falta do cuidar, por parte dos filhos, é premissa para indenização
“Amar é faculdade, cuidar é dever”. A ministra Fátima Nancy
Andrighi, da 3ª Turma do Superior Tribunal de Justiça (STJ), em julgado
de 2012, afirma, desta forma, ser possível exigir indenização por dano
moral decorrente de abandono afetivo pelos pais. A pena foi de R$ 200
mil, imposta ao pai por abandonar a filha material e afetivamente
durante a sua infância e adolescência. Apesar de ser tema polêmico,
desde esse julgamento ficou estabelecido o entendimento, na
jurisprudência, de que cabe pena civil em razão do abandono afetivo.
Contudo, questiona-se: e o abandono afetivo inverso? E se os males
advindos da falta de amor, cuidado e atenção vitimizam os pais? Diz-se
abandono afetivo inverso, segundo o desembargador Jones Figueirêdo Alves
(PE), diretor nacional do Instituto Brasileiro de Direito de Família
(IBDFAM), “a inação de afeto ou, mais precisamente, a não permanência do
cuidar, dos filhos para com os genitores, de regra idosos”. Segundo o
diretor, esta falta do cuidar serve de premissa de base para a
indenização.
O amor é uma celebração permanente de vida, reflete o
desembargador, e, como tal, “realidade espontânea e vivenciada do
espírito; todavia o abandono moral e material, como instrumento de
desconstrução de vida pode ser mensurado em níveis de quantificação
indenizatória”. Os parâmetros “são os circunstanciais de vida dos
próprios atores envolvidos, sinalizando uma reparação civil adequada e
necessária”, complementa.
Na China, desde o último dia 1 de julho, vigora lei que obriga os
filhos a visitarem os pais idosos, prevê multa e até prisão. E no
Brasil? Qual o preço do abandono afetivo inverso? Existe Lei que
regulamente a matéria? Confira na entrevista:
IBDFAM - O que é abandono afetivo inverso?
JF - Diz-se abandono afetivo inverso a inação de afeto, ou mais
precisamente, a não permanência do cuidar, dos filhos para com os
genitores, de regra idosos, quando o cuidado tem o seu valor jurídico
imaterial servindo de base fundante para o estabelecimento da
solidariedade familiar e da segurança afetiva da família.
O vocábulo “inverso” da expressão do abandono corresponde a uma
equação às avessas do binômio da relação paterno-filial, dado que ao
dever de cuidado repercussivo da paternidade responsável, coincide valor
jurídico idêntico atribuído aos deveres filiais, extraídos estes
deveres do preceito constitucional do artigo 229 da Constituição Federal
de 1988, segundo o qual “...os filhos maiores tem o dever de ajudar e
amparar os pais na velhice, carência e enfermidade”.
Aliás, o princípio da solidariedade, “marco paradigmático que
caracteriza a transformação do Estado liberal e individualista em Estado
democrático e social” (Paulo Luiz Netto Lobo, 2007), tem servido como
questão de direito de fundo na diretiva de sua aplicação nas relações
familiares, nomeadamente quando perante os mais vulneráveis (crianças,
adolescentes, idosos, carentes alimentares, etc.).
Assim, não há negar que, axiologicamente, o abandono constitui um
desvio desconcertante do valor jurídico estabilidade familiar, recebendo
aquele uma modelagem jurídica e jurisdicional capaz, agora, de
defini-lo para os fins de responsabilização civil. O abandono afetivo
afeta, sensivelmente, o perfil da família, cuja unidade é a
representação melhor do sistema.
Efetivamente, recentes decisões judiciais cuidam de inibir, impedir
ou punir a “negligência intolerável” como conduta inaceitável à luz do
ordenamento jurídico. A mais significativa delas, resultou da 3ª Turma
do STJ, que obrigou um pai a indenizar o filho, na quantia de R$ 200
mil, por abandono moral. A relatora ministra Fátima Nancy Andrighi
acentuou que "amar é faculdade, cuidar é dever".
IBDFAM - No primeiro semestre de 2013, a Secretaria
Especial do Idoso do Distrito Federal registrou 60 denúncias de
violência contra a pessoa idosa, sendo abandono – 20 casos (33%). Como o
senhor avalia esse número?
JF - No Dia Mundial de Combate à Violência Contra a Pessoa Idosa,
instituído desde 2007 pela ONU e celebrado em 15 de junho passado, foram
revelados novos dados significativos da violência ocorrente. Na
composição dos dados, o abandono afetivo inverso se constitui, de fato,
como a violência mais gravosa.
Mais do que a violência física ou financeira, a negligência pelo
abandono impõe ao idoso uma negação de vida, quando lhe é subtraída a
oportunidade de viver com qualidade. Pior ainda é que as maiores
violências contra os idosos assumem o território próprio da família,
nela acontecendo as mais severas agressões.
Sabido e consabido que dos 22,3 milhões de idosos, atualmente no
país, apenas 2,7 milhões com mais de 60 anos, moram sozinhos (1,8 milhão
de mulheres e 938 mil homens) enquanto que na composição familiar 15,5
milhões daqueles ainda chefiam suas famílias, a geração de idosos sob
abandono inverso assume índice preocupante. É um contingente ancião da
recente tendência de menor prole que por isso mesmo fica a depender, uma
vez alcançada a faixa etária provecta, de menos guardiões.
Lado outro, o abandono mais se perfaz dentro da família; ou seja,
nada obstante esteja o idoso na companhia familiar falta-lhe a
assistência material e moral dos devidos cuidados, importando o déficit
afetivo em sério comprometimento de vida. Esse tipo de violência não tem
maior visibilidade. Enquanto isso, dados da Secretaria de Saúde
paulista indicam (15.06.13) que nove pessoas com 60 anos ou mais, em São
Paulo, “são internadas por semana em hospitais públicos em razão de
agressões físicas”.
Não há dúvida, portanto, que essa estatística revela, com maior
visibilidade, severa realidade infratora dos direitos humanos contra o
idoso e que deve ser combatida por urgente compromisso social.
No considerar o idoso como “pessoa em situação especial”,
suscetível de cuidados compatíveis ao elevado espectro de sua dignidade e
ante realidades fáticas diversas, reclamam-se novas tutelas jurídicas
especificas.
IBDFAM - Desde que o afeto foi considerado valor jurídico,
abandono afetivo pode gerar indenização. E o abandono afetivo inverso?
JF - Sim. Desde quando o afeto juridicamente passou a ter a sua
valoração, no efeito de ser reconhecido como vinculo familiar (João
Baptista Vilela, 1980), em significado amplo de proteção e cuidado, no
melhor interesse da família, a sua falta constitui, em contraponto,
gravame odioso e determinante de responsabilidade por omissão ou
negligência.
A autonomia da pessoa idosa, enquanto patriarca, chefe de família e
pai, exige a assistência filial, moral e afetiva, como imprescindível
instrumento de respeito aos seus direitos existenciais de consolidação
de vida.
No ponto, o abandono afetivo como falta grave ao dever de cuidar,
para além de constituir ilícito civil, será caracterizado como crime,
nos termos do Projeto do Senado, de nº 700/2007, já aprovado, dezembro
passado, pela Comissão de Constituição, Justiça e Cidadania, daquela
casa parlamentar. Entretanto, o projeto apenas cuida de modificar a Lei
nº 8.069, de 13 de julho de 1990 (Estatuto da Criança e do Adolescente)
para caracterizar o abandono (moral) como ilícito civil e penal; não
cogitando, todavia, do abandono inverso, no pólo contrário do composto
da relação (filhos/pais), o que reclama alteração legislativa pontual do
Estatuto do Idoso (Lei nº 10.741/2003). Aquele projeto está pronto,
exatamente há um ano (desde 11.07.2012), para a pauta da Comissão de
Direitos Humanos e Legislação Participativa do Senado.
Como abandono afetivo inverso, na mesma dimensão
jurídico-axiológica que reclama os cuidados de proteção na relação
paterno-filial, devemos considerar que a falta do cuidar serve de
premissa de base para a indenização.
IBDFAM - Na sua avaliação deveria existir uma lei para regulamentar a matéria?
JF - Não é demais admitir que o abandono afetivo inverso, em si
mesmo, como corolário do desprezo, do desrespeito ou da indiferença
filiais, representa fenômeno jurídico que agora deve ser tratado pela
doutrina e pelo ordenamento legal carecido de um devido preenchimento,
seja por reflexões jurídicas, seja por edição de leis. A sua presença na
ordem jurídica servirá, no espectro da ilicitude civil, como nova
espécie de comportamento ilícito, pautado por uma configuração jurídica
específica, tal como sucede com a dogmatização jurídica do abuso de
direito.
IBDFAM – Tal lei seria como na China "sui generis", ou seja, feita para despertar a conscientização para a questão?
JF - Não é suficiente a lei impor a visitação obrigatória dos
filhos, como a recente lei chinesa determina (sem especificar, sequer, o
mínimo necessário) ou estabelecer sanções civis e penais. Antes de
mais, políticas públicas devem destinar emprego de esforços, inclusive
de assistência social, para monitorar, continuadamente, a qualidade de
vida da pessoa idosa, sob pena de o abandono afetivo inverso ser apenas
um instituto jurídico de efeito reparatório civil ou repressivo penal,
sem qualquer profilaxia sócio-criminal que o impeça acontecer.
Não adianta tipificar ilicitudes civis e crimes, para as imputações
cabíveis, sem que o Estado aparelhe a dignidade e a sobrevivência das
pessoas idosas de estruturas adequadas a serviço de uma tutela integral
protetiva e preventiva.
No caso, a lei servirá, de imediato, como um aviso eloquente para
que possa ser estabelecida, afinal, uma sociedade mais solidária.
IBDFAM – E qual seria o preço do abandono?
JF – Não se pode precificar o afeto ou a falta dele, na exata
medida que o amor é uma celebração permanente de vida e como tal,
realidade espontânea e vivenciada do espirito; todavia o abandono moral e
material, como instrumento de desconstrução de vida pode ser mensurado
em níveis de quantificação indenizatória. Os parâmetros são os
circunstanciais de vida dos próprios atores envolvidos, sinalizando uma
reparação civil adequada e necessária.
IBDFAM – Embora não haja lei específica que regulamente a
matéria, é possível invocar uma interpretação principiológica para tal
pretensão?
JF – Sim. O princípio do “neminem laedere” (“não causar
dano a ninguém”) que serve de fundamento para toda a doutrina da
responsabilidade civil. Demais disso, cuidando-se de ilicitude civil de
conduta, exorta-se a regra geral do art. 186 do Código Civil, onde
ínsito o princípio, segundo a qual “aquele que por, ação ou omissão
voluntária, negligência ou imprududência violar direito e causar dano a
outrem, ainda que exclusivamente moral, comete ato ilícito.” Segue-se,
então, a aplicação do artigo 927 do mesmo estatuto civilista, indicando
que aquele que, por ato ilícito, causar dano a outrem, fica obrigado a
repará-lo; sendo certo que dita reparação pela via da indenização, deve
medir-se pela extensão do dano, na forma do artigo 944 do Código Civil.
Fonte: www.ibdfam.org.br
AUTHOR:
Dimitre Soares
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