dezembro 10, 2012
Uma mulher que vivia em união estável
há mais de 30 anos vai poder alterar o seu registro de nascimento para a
inclusão do sobrenome do companheiro. A decisão do Superior Tribunal de
Justiça reforça o entendimento de que não há hierarquia nas formas de
famílias e incita reflexões sobre o tema em um contexto mais abrangente.
Para comentar o caso, O IBDFAM convidou a relatora, ministra Nancy
Andrighi.
Na opinião de V.Exa., a
decisão que julgou procedente o pedido de inclusão do sobrenome do
companheiro no registro civil da companheira que vive em união estável
há mais de 30 anos reforça a construção jurisprudencial no sentido de
equiparar a união estável ao casamento?
No referido julgamento, apesar de não
se discutir, diretamente, uma possível ausência de hierarquia entre a
união estável e o casamento, a aplicação analógica das disposições
específicas do Código Civil, relativas à adoção de sobrenome dentro do
casamento, importam na implícita aceitação de igual status entre as
relações postas sob apreciação, pois essa aplicação analógica só é
possível quando símeis – a situação regulada e a questão sem regulação.
V.Exa. concorda com a ideia de
que não deve haver hierarquização na formas de família? Nesse sentido,
como o judiciário deve atuar de forma a igualar os direitos de quem vive
em união estável e casamento?
Tenho defendido, sempre, que as
relações no Direito de Família devem ser analisadas sob uma perspectiva
teleológica, que busque a revelação do que é justo, a partir de uma
apreciação da finalidade do instituto envolvido.
Nessa linha de pensamento, olha-se as
relações intrafamiliares sob a perspectiva do que a sociedade espera de
uma família, pois, na verdade, o que informa e define um núcleo familiar
estável são os elementos subjetivos, que podem ou não existirem,
independentemente do estado civil das partes.
Esses elementos são extraídos da
existência de laços afetivos – de quaisquer gêneros –; da congruência de
interesses; do compartilhamento de ideias e ideais; da solidariedade
psicológica, social e financeira, fatores que independem do rito
primário que originou aquele grupo familiar, mas encontram raízes na
constatação de que há solidariedade socioafetiva dentro daquele núcleo
familiar.
E sob esse ângulo, a hierarquização
entre as diversas formas de família perde o sentido, pois em qualquer
arranjo familiar esses elementos podem estar presentes ou ausentes, e
será benéfico para a sociedade, não a forma de constituição do grupo
familiar, mas a sua estabilidade endógena e os seus reflexos no grupo
social.
Assim, penso que o Judiciário deva ter
o primado da família socioafetiva como enfoque, e resolver as questões
que lhe são submetidas sob essa perspectiva, porque dela derivarão
decisões menos atreladas a fórmulas meramente históricas e mais
consentâneas com os anseios sociais.
Em 2011, o Supremo Tribunal
Federal reconheceu a união estável homoafetiva (ADI 4277 e ADPF- 132).
Pelo princípio da igualdade, a inclusão de sobrenome de companheiro no
registro de nascimento deve ser estendida a pessoas do mesmo sexo que
vivem em união estável?
É exatamente essa, a linha adotada no
julgamento do Recurso especial nº 1.206.656/GO, onde se declina que o
comando constitucional relativo à união estável (art. 226, § 3º, da CF),
deve, pelo seu caráter prospectivo, nortear não apenas a produção
legislativa, mas também a interpretação, integração, ou aplicação
analógica dos textos legais pelos magistrados, esta última utilizada, na
espécie, para assegurar a adoção de patronímico de companheiro dentro
de uma união estável preestabelecida.
As pequenas exigências fixadas naquele
julgamento – prova documental da relação, por instrumento público, e a
anuência do companheiro que terá o nome adotado – não retratam
desigualdades, mas decorrem da necessária segurança jurídica aplicada à
espécie e decorrem das naturais distinções entre a união estável e o
casamento, pois neste, há prévio resguardo da segurança jurídica, ante
as formalidades legais necessárias à concretização do casamento civil.
O afeto tem sido um marco nas decisões do Superior Tribunal de Justiça. Como V.Exa. avalia essa postura do STJ?
Vejo com grande alegria a crescente
adoção do afeto e de sua variável – o cuidado – como valores jurídicos,
não apenas no STJ, mas em todo o Poder Judiciário nacional, pois eles
representam uma humanização da Justiça e a sua definitiva apropriação da
realidade social como razão de decidir.
Não falo aqui da suplantação da lei
pelo fato social, mas da leitura daquela, sob a lente desse, o que
possibilita ao julgador, diante de relações complexas como as relativas
ao Direito de Família, a busca por soluções mais equânimes e que deem
efetiva resposta às demandas sociais.
Quais os principais avanços
que ocorreram na área de família em 2012? Como essas decisões
contribuem para a afirmação de tais avanços?
Difícil sintetizar em uma resposta
simples, toda a produção legislativa, doutrinária ou jurisprudencial em
relação a esse tema, no ano de 2012, mas apenas a título
exemplificativo, sem a pretensão de esgotar a matéria, e atendo-me a
alguns julgados do STJ, achei muito relevante o debate relativo ao
abandono afetivo, que trouxe a discussão do dever de cuidado nas
relações entre pais e filhos (Resp 1.159.242/SP), o recurso especial
inicialmente citado, que aborda a possibilidade de adoção de patronímico
de companheiro e o recurso especial 1.217.415/RS, no qual se discutiu a
viabilidade da adoção conjunta pleiteada por irmãos.
Esses julgamentos, apontados como
exemplificativos, tem como característica comum a leitura paralela,
pelos julgadores, do texto da lei e de outros elementos imateriais
presentes nas relações familiares, os já citados afeto e cuidado.
Fonte: IBDFAM
AUTHOR:
Dimitre Soares
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