Fonte: IBDFAM
Foi divulgada, na última semana, a decisão dos magistrados da 7ª
Câmara Criminal do Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul que deram
provimento a recurso para autorizar a visita do filho ao pai preso em
datas, horários e condições a serem estabelecidas pela Vara de Execuções
Penais. Para o relator, Desembargador Carlos Alberto Etcheverry, o caso
traz evidente conflito de direitos fundamentais: por um lado, o direito
de convivência familiar (da criança), somado ao direito de apoio
familiar como instrumento de ressocialização (do preso); por outro lado,
a obrigação estatal de prevenir qualquer espécie de ameaça à
integridade física ou psíquica do menor. Para comentar o assunto e
abordar a relação do Direito de Família e o Direito Criminal, convidamos
o professor e advogado criminalista, Rafael de Castro Alves Medina.
Confira a entrevista.
1) Como o senhor avalia a decisão do desembargador Carlos Alberto Etcheverry?
Excelente, notável. Acredito que esta decisão pode ser um novo
marco para uma compreensão mais ampla do que venha a ser uma garantia
efetiva dos direitos fundamentais de todos os envolvidos. No corajoso
decisum, o magistrado deve ter percebido que havia apenas uma falsa
contradição entre direitos tutelados. Diante da análise concreta dos
autos, certamente a melhor conclusão, para evitar uma possível alienação
parental, era permitir o contato do menor com seu pai.
2) Como resolver, nesse caso, o conflito de direitos
fundamentais entre o direito de convivência familiar e a preservação da
integridade física ou psíquica do menor? Como se aplica o princípio da
proporcionalidade?
Como bem apontado pelo Desembargador Carlos Alberto Etcheverry, o
princípio da proporcionalidade deve ser analisado em seus três aspectos:
necessidade, adequação e proporcionalidade em sentido estrito. No caso
específico, é preciso tutelar a integridade física e psíquica da
criança, da mesma forma em que não se pode deixar romper o vínculo
afetivo entre pai e filho. Os presídios possuem, em geral, uma área e
horários definidos para a visitação, o que deve permitir que a
convivência entre pai e filho se mantenha. Além disso, é importante
lembrar que não é vedado o ingresso de menores a presídios para que
possam visitar seus entes queridos. Pelo contrário, essa é uma prática
bastante corriqueira, o que revela que a visitação em presídios é um
meio apto à manutenção do vínculo afetivo entre menores e seus parentes
temporariamente presos. Entretanto, é bastante pertinente a discussão
acerca da infraestrutura dos presídios para o acolhimento dessas
visitas. E o presente caso pode servir de abertura para uma discussão
mais profunda sobre o tema, algo de que necessitamos há muito tempo e
que não se exauriu ainda desde o debate sobre os limites dos direitos
dos presos afetados pela condenação criminal.
3) Como equacionar a relação entre Direito de Família e
Direito Criminal sem deixar de lado a necessidade de priorização do
afeto?
Primeiramente, devemos lembrar que a pena atinge apenas o réu
condenado, seja ela restritiva de liberdade e/ou de direitos. Dessa
forma, uma criança não pode ser “condenada” ao rompimento do vínculo
afetivo com seu pai, porque este foi apenado. Por outro lado, mesmo a
condenação à pena restritiva de liberdade não impõe o alijamento
familiar ao preso, que mantém seu direito de convívio com sua família.
Acredito que apenas um Juiz de uma Vara de Família possa alterar o
direito e a freqüência da visitação, pois é sua a competência para
avaliar se as visitas são salutares ou prejudiciais ao menor, devendo
levar em consideração muitos outros fatores além do mero fato da prisão
do pai. Em todo caso, é um bom momento para que se dê mais atenção e
prioridade aos atendimentos psicológicos junto à população que visita os
cidadãos reclusos. O que quero dizer é que profissionais bem
qualificados que estejam acompanhando o cotidiano das pessoas
diretamente envolvidas nesse drama é que podem auxiliar no descobrimento
da conveniência dessas visitações. Há uma certa mitificação no mundo do
Direito: muitos tendem a achar, equivocadamente, que apenas os
operadores do Direito e correlatos têm a autoridade para ditar o
direito, quando, na verdade, precisamos democratizar a vivência sobre o
direito na vida real. No caso desta criança e de seu pai, as
circunstâncias concretas trarão uma eloqüência que transcende qualquer
teorização genérica sobre o Direito e esta eloqüência só pode ser
traduzida por quem está vivendo o Direito vivo e não por teóricos
apartados da realidade. É aí que reside a notabilidade da decisão
comentada.
4) Você acredita que a intervenção do Estado com o
investimento em locais menos insalubres para o contato dos presos com
menores e familiares seria uma forma de priorizar a questão do afeto e
do direito à convivência familiar?
Essa é uma questão muito complexa, pois envolve alguns pressupostos
morais que são impostos pelos discursos ampliadores da intervenção
estatal por um lado e, por outro, por idealizadas funções corretivas da
pena. Há também, nessa discussão, uma tensão latente entre os deveres do
Estado e o mínimo que este mesmo Estado deve garantir aos seus
tutelados. Esta tensão está exatamente no ponto em que o Estado, em
algum momento, renuncia deliberadamente a tutelar e a garantir a
liberdade daqueles que lesam seu estatuto repressivo, cognominado de
mínimo ético coletivo. Ora, a limitação do afeto e da convivência
familiar dos reclusos é justamente o cerne do projeto repressivo, que
ganha grande vulto moral nesse aspecto. Se o Estado anuncia publicamente
que esta convivência familiar não poderá ser absolutamente tolhida,
resguardando, ao menos, o grau mínimo de contato parental, isso pode
significar uma grande revolução no entendimento de quais devam ser os
limites da própria legitimação repressiva. Esta decisão pode ser uma
demonstração de que a própria legitimidade repressiva está em cheque.
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