julho 13, 2012
Direito de Família: Divórcio completa 35 anos e marca evolução do Direito de Família
Fonte: IBDFAM
Alguém que opte por se divorciar neste ano de 2012, se quiser,
poderá até fazê-lo no cartório, sem esperar por prazos além dos
administrativos. Mas a facilidade de hoje para se desfazer do vínculo
conjugal guarda uma história tortuosa até o estabelecimento do divórcio
em 1977. Hoje, dia 28 de junho, a Emenda Constitucional 9/1977, que
permitiu a conquista, completa 35 anos.
De 1977 para cá, a possibilidade de dissolução do casamento foi se
tornando cada vez mais desamarrada de preceitos morais e religiosos.
Inicialmente, o casal que requeria o divórcio precisava estar separado
de fato por cinco anos para pedi-lo diretamente ou, então, devia esperar
três anos que era o tempo exigido para a separação judicial. Só era
possível pedir o divórcio uma única vez na vida.
Embora nitidamente progressista, a Constituição de 1988 continuou
impondo prazos para quem quisesse se divorciar. Foram fixados dois anos
de separação de fato ou um ano de separação judicial para por fim ao
casamento. No ano seguinte à promulgação da Carta, cairia a restrição
para os divórcios sucessivos.
Em 2007, outra desregulamentação afrouxaria um pouco mais as
exigências. Naquele ano, casais sem filhos menores ou incapazes, em
busca consensual de divórcio e separação, podiam requerê-los
administrativamente (por via cartorária). Finalmente, há dois anos, a
Emenda Constitucional 66/2010 estabeleceu o fim da separação como
condição para o pedido do divórcio.
O impacto na sociedade foi imediato. Entre 2009 e 2010, o número de
divórcios aumentou 35% no Brasil e as separações, neste período, caíram
de 0,8% para 0,5% por mil habitantes com 20 ou mais anos de idade.
Os números do Censo de 2010 também não deixam dúvidas de como mudou
o panorama da conjugalidade no Brasil. No período de dez anos
investigado pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE),
que vai de 2000 a 2010, o número de casamentos caiu em todas as
modalidades pesquisadas.
Registraram-se menos uniões por meio de casamento simultâneo no
civil e religioso, por casamento realizado unicamente no civil e na
modalidade exclusivamente religiosa. Assim, foram as uniões consensuais
que mostraram vitalidade, crescendo cerca de 7% no período.
O presidente do Instituto Brasileiro de Família (IBDFAM), advogado
Rodrigo da Cunha Pereira, comenta em entrevista a seguir os 35 anos da
Lei do Divórcio.
O que significam esses 35 anos da Lei do Divórcio para a sociedade brasileira?
Esses 35 anos decorridos da Lei do Divórcio significam a
solidificação do estado laico. Em outras palavras, apesar de todas as
resistências das forças conservadoras, o Estado tem se firmado acima dos
valores morais e religiosos que sempre comandaram o Direito de Família
no Brasil, como de resto em todo o mundo ocidental. Após 35 anos, o
divórcio finalmente conseguiu sua libertação das amarras morais
estigmatizantes que vinham através de determinações burocráticas, de
prazos e culpas.
Como avalia o contexto sociocultural que possibilitou o avanço alcançado com a Lei do Divórcio Direto?
A lei vem para regulamentar a realidade social. Nestes últimos 35
anos, a família mudou muito e para melhor. Tais mudanças advêm da
revolução sexual que teve seu marco nas décadas de 1960 e 1970, do
feminismo, com conseqüente avanço das mulheres no mercado de trabalho;
da consideração da mulher como sujeito de desejo e não mais assujeitada
ao pai ou marido; da sociedade do hiperconsumo e dos meios de
comunicação social, especialmente da internet. Conseqüentemente, novas
estruturas parentais e conjugais chegaram e ainda estão chegando. Com
isso, a reivindicação de uma maior liberdade dos sujeitos de
estabelecerem e romperem seus vínculos amorosos.
Por que a separação judicial se tornou anacrônica e foi, enfim, superada?
A separação judicial, que veio substituir a expressão desquite, já
nasceu anacrônica e antiquada. Mas foi necessária, em 1977, em razão do
jogo de forças entre os divorcistas e os antidivorcistas. Ela permaneceu
em nosso ordenamento jurídico, mesmo com a entrada do divórcio. Isso se
explica por motivos religiosos, uma vez que até hoje a Igreja Católica
não admite o divórcio, mas, por outro lado, ela também não pode negar a
realidade de que os casamentos acabam. Apenas em 13 de julho de 2010, a
separação, como exigência para o divórcio, foi definitivamente
extirpada do sistema jurídico brasileiro em que pesem algumas poucas
opiniões contrárias. Além do mais, não faz nenhum sentido fazer dois
processos judiciais ou administrativos para romper o vínculo conjugal.
Se alguém, por algum motivo, religioso ou por outra convicção qualquer,
não quiser se divorciar, basta fazer a separação de corpos. Por fim, a
separação judicial significa um “limbo” entre casamento e divórcio ou,
para usar uma linguagem religiosa, é como se quem quisesse se divorciar
tivesse que passar pelo purgatório.
A abolição da culpa pode ser entendida como acolhimento da autonomia da vontade dos cidadãos contemporâneos?
Sim, esta é a grande virada da Emenda Constitucional 66/2010. Ela
substituiu o discurso da culpa pelo da responsabilidade. Com isto, a lei
e o Judiciário não mais estimularão os longos e tenebrosos litígios
que são verdadeiras histórias de degradação do outro ao insistir na
procura de um culpado pelo fim da conjugalidade. Não há culpados pelo
fim do casamento, há responsabilidade por não terem cuidado do amor.
Mesmo com a fim da culpa pela separação, fala-se que a Lei do
Usucapião Familiar (12424/2011) a teria ressuscitado porque permitiria
“punir” o cônjuge que se afasta por dois anos contínuos do lar. Qual
sua opinião sobre o assunto?
A lei do Usucapião Familiar, que estabeleceu a perda da propriedade
do cônjuge que abandona o lar, não significa de maneira alguma o
restabelecimento da culpa. Assim como a EC 66/2010 imprimiu mais
responsabilidade aos divorciandos, esta lei veio responsabilizar o
cônjuge que simplesmente saiu de casa deixando para trás seus
compromissos com a família. É justo, então, que ele seja punido com a
perda da metade do imóvel que lhe pertencia e que servia para o lar
conjugal. Esse entendimento atual está expresso em medida provisória do
Executivo Federal (561/2012) ao estipular que o imóvel adquirido por
meio do Programa Minha Casa Minha Vida seja repassado ao cônjuge que
ficar com a guarda dos filhos.
Na sua opinião, para onde aponta a atual fluidez dos relacionamentos consagrada pela liberdade de se relacionar?
Aponta para uma maior liberdade e autonomia dos cônjuges e
companheiros na medida em que o Estado deixa de interferir na vida das
pessoas regulamentando o tempo para se divorciarem. Isso não significa
uma liquidez das relações conjugais até porque o que acaba, as
estatísticas apontam, não é a família, mas o casamento. Aqueles que
temem a desordem da família estão enganados. A família foi, é e
continuará sendo imaginada, sonhada e desejada por todos, da mesma
forma, sempre.
AUTHOR:
Dimitre Soares
Nenhum comentário:
Postar um comentário