Na prática do Direito de Família, é extremamente comum que, em casos de divórcio de difícil solução (especialmente com conflituosa divisão patrimonial) que os ex-cônjuges, no instante do desfazimento do matrimônio, para fins de divisão de bens, façam a “promessa” de doação de bens para os filhos.
Essa conduta tem duas funções bem claras: a primeira é evitar a dilapidação do patrimônio, estando assim protegidos os filhos; a segunda, é bem corriqueira, é a batalha travada para evitar que um dos dois “saia ganhando” a disputa judicial do divórcio. É o clássico: “nem eu, nem ele”, e o patrimônio é direcionado para os filhos.
Ocorre que no Direito Contratual, a figura da “promessa de doação”, tecnicamente, não existe. E o que deveria ser feito, que é a transcrição da escritura de doação para efetivar a transferência para os filhos quase nunca ocorre.
Nesse ínterim, muitas situações podem ser percebidas, como, por exemplo, a morte de um dos ex-cônjuges, sem a mencionada transferência.
Diante da aguda ocorrência desta situação na prática dos escritórios e varas de Direito de Família, a jurisprudência firmada pelos Tribunais, com destaque para o STJ, tem endendido que a homologação por sentença desses acordos que trazem a “promessa de doação para os filhos”, tem efeito de escritura pública, fazendo valer, literalmente, a transferência para os filhos, mesmo sem o termo cartorário próprio.
Pela importância do tema, transcrevemos abaixo artigo reproduzido no site “Direito das Famílias” sobre a matéria, de autoria de Maria Aglaé Tedesco Vilardo.
Boa leitura e boas reflexões a todos!
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A 'Promessa de Doação' nas Varas de Família
Autora: Maria Aglaé Tedesco Vilardo
Caso muito comum nas Varas de Família é a denominada "Promessa de Doação" de bem imóvel de casal para os filhos, quando do divórcio, como o caso abaixo.
No acordo firmado em ação de separação o imóvel do casal foi doado para suas duas filhas.
Antes de regularizada a situação, a mãe faleceu.
Por dívida de condomínio o imóvel foi vendido e as mencionadas filhas, embora não tivessem o imóvel em seus nomes, estavam na sua posse.
A doação não foi registrada.
Ingressou o adquirente em Juízo com o pedido para regularização da situação junto ao Cartório de Registro de Imóveis que se recusou ao registro da doação ante a inexistência de escritura pública, requisito necessário e exigido pelo Código Civil.
O caso merece as considerações que seguem.
Embora não esteja previsto no ordenamento jurídico a “promessa de doação” é comum nas ações de divórcio e separação quando o casal partilha os bens fazendo constar cláusula de doação de bem imóvel para os filhos comuns com usufruto de um dos genitores ou de ambos. Posteriormente, deixam de efetivar a doação em cartório por escritura pública, instrumento exigido pelo art.541 c/c art.108 do CC.
A doutrina e a jurisprudência, na análise dos direitos decorrentes desta cláusula, entendem que, apesar da doação ser uma liberalidade, em casos onde não é feita como mera liberalidade, mas como condição de negócio jurídico, é considerada cláusula válida e eficaz, podendo ser exigível em ação cominatória.
O STJ, no REsp 742048 / RS, relator Min. Sidnei Beneti – 2009 entendeu que a promessa de doação vinculada à partilha, é exigível, inclusive pelos filhos beneficiários. Há outros precedentes no STJ - REsp 853133 / SC- Min. Ari Pargendler- 2008; REsp 416340 / SP – Min. Fernando Gonçalves – 2004.
Neste sentido o TJRJ, no agravo de instrumento julgado em 2011 – nº 0021941-21.2011.8.19.0000 – relator des. Horácio Ribeiro Neto e no agravo de instrumento nº 0031133-75.2011.8.19.0000 – relator Des. Bernardo Moreira Garcez Neto, em 2011. Também o TJRS mantém este entendimento pacificado – agravo de instrumento nº 70044484954, de 2011.
Doutrinariamente algumas divergências são apontadas, porém Pontes de Miranda já havia tratado do tema admitindo a vontade do doador, declarada na ação de separação, como um ato de liberalidade referindo-se como promessa o ato de lavrar a escritura, devendo ser determinado seu cumprimento judicialmente.
A solução encontrada para ausência de escritura pública de doação é conferir à sentença a eficácia para transferência da propriedade do imóvel como já decidido pelo STJ
REsp 32895 / SP- relatro Min.Castro Filho – Órgão Julgador – Terceira Turma - data do julgamento:23/04/2002
Ementa:
Direito civil separação consensual partilha de bens doação pura e simples de bem imóvel ao filho homologação sentença com eficácia de escritura pública admissibilidade.
Doado o imóvel ao filho do casal, por ocasião do acordo realizado em autos de separação consensual, a sentença homologatória tem a mesma eficácia da escritura pública, pouco importando que o bem esteja gravado por hipoteca.
Recurso especial não conhecido, com ressalvas do relator quanto à
terminologia.
A sentença contém todos os elementos substanciais para configurar a doação, como a vontade inequívoca das partes declarada perante o Juiz; descrição do imóvel, constante dos autos; acordo ratificado e homologado por sentença. A eficácia é a mesma da escritura pública prevista no art. 541 do CC.
O ato firmado, por acordo, encontrando-se devidamente homologado por sentença com trânsito em julgado deixa de ser uma mera promessa, mas manifestação de vontade perfeita e acabada.
A falta de concretização do direito com o registro em cartório deve ser suprida pelo Juízo que determinará seja realizada a transferência do bem imóvel, através de doação, valendo a sentença como instrumento apto ao negócio.
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