julho 15, 2011

Nova modalidade de Usucapião por abandono de lar: a culpa pelo fim dos relacionamentos novamente em evidência


Caros amigos, todos que lidam diretamente com o Direito de Família foram surpreendidos pela nova modalidade de usucapião instituída pela Lei nº 12.424, de 16 de junho de 2011. Trata-se de uma Lei que tinha por obejtivo geral regulamentar o Programa "Minha Casa Minha Vida" do Governo Federal, mas que, a reboque, terminou alterando o Código Civil, com a inclusão do Art. 1.240-A, na Parte Especial dos Direitos Reais.

O teor do artigo é o seguinte:

Art. 1.240-A. Aquele que exercer, por 2 (dois) anos ininterruptamente e sem oposição, posse direta, com exclusividade, sobre imóvel urbano de até 250m² (duzentos e cinquenta metros quadrados) cuja propriedade divida com ex-cônjuge ou ex-companheiro que abandonou o lar, utilizando-o para sua moradia ou de sua família, adquirir-lhe-á o domínio integral, desde que não seja proprietário de outro imóvel urbano ou rural. (Incluído pela Lei nº 12.424, de 2011)

§ 1o O direito previsto no caput não será reconhecido ao mesmo possuidor mais de uma vez.

Na prática funcionará da seguinte forma: a pessoa que for abandonada por seu cônjuge ou companheiro, pelo prazo consecutivo de 02 anos, adquirirá a propriedade do bem imóvel, desde que não seja dono de outro bem imóvel, e que o bem usucapido (urbano) possua até 250 m².

O grande problema é que a alteração da Lei nº 12.424/2011 colide frontalmente coma Emenda Constitucional nº 66/2010, que preve o fim da discussão sobre a culpa na dissolução do casamento/união estável.

Na verdade, o fim do relacionamento afetivo nunca deixou de ter repercussões reparatórias, mas estas haviam sido deslocadas da Vara de Família para a Vara Cível, como uma Ação de Indenização qualquer.

Ao impor ao conjuge/companheiro que decide se afastar do lar conjugal o risco da perda de sua meação no imóvel do casal, a nova lei coibe o desejo de se afastar de casa. Certamente muitas pessoas deixarão de se afastar do lar conjugal para evitar a perda da propriedae. Bastante confuso. A solução aparente será a medida judicial de separação de corpos, que voltou aos escritórios de Direito de Família com novos ares desde o ano passado.

Mais uma vez, infelizmente, o legislativo fez um desfavor ao Direito de Família, na medida em que aprovou regra que está em descompasso com o texto alterado há menos de um ano.

Segue abaixo texto da Prof. Maria Berenice Dias sobre a questão, em artigo publicado no Correio Braziliense, com idéias com as quais concordamos.

Boa leitura a todos!

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Por: Maria Berenice Dias
Correio Braziliense - 14/07/2011

Advogada, é vice-presidente nacional do Instituto Brasileiro de Direito de Família

Boas intenções nem sempre geram boas leis. Não se pode dizer outra coisa a respeito da recente Lei nº 12.424/2011, que, a despeito de regular o programa Minha Casa, Minha Vida com nítido caráter protetivo, provocou enorme retrocesso.

A criação de nova modalidade de usucapião entre cônjuges ou companheiros representa severo entrave para a composição dos conflitos familiares. Isso porque, quando um ocupar, pelo prazo de dois anos, bem comum sem oposição do que abandonou o lar, pode se tornar seu titular exclusivo (Código Civil, 1.20-A).

Quem lida com as questões emergentes do fim dos vínculos afetivos sabe que, havendo disputa sobre o imóvel residencial, a solução é um afastar-se, lá permanecendo o outro, geralmente aquele que fica com os filhos em sua companhia. Essa, muitas vezes, é a única saída, até porque vender o bem e repartir o dinheiro nem sempre permite a aquisição de dois imóveis. Ao menos assim os filhos não ficam sem teto e a cessão da posse adquire natureza alimentar, configurando alimentos in natura.

Mas agora essa prática não deve mais ser estimulada, pois pode ensejar a perda da propriedade no curto período de dois anos. Não a favor da prole que o genitor quis beneficiar, mas do ex-cônjuge, o companheiro.

De forma para lá de desarrazoada a lei ressuscita a identificação da causa do fim do relacionamento, que em boa hora foi sepultada pela Emenda Constitucional nº 66/2010 que, ao acabar com a separação, fez desaparecer prazos e atribuição de culpas. A medida foi das mais salutares, pois evita que mágoas e ressentimentos — que sempre sobram quando o amor acaba — sejam trazidas para o Judiciário. Afinal, a ninguém interessa os motivos que ensejaram a ruptura do vínculo que nasceu para ser eterno e feneceu.

Mas o desastre provocado pela nova lei tem outra dimensão. Para atribuir a titularidade do domínio a quem tem a posse, sempre houve a necessidade de identificar sua natureza. Ou seja, para adquirir a propriedade o possuidor precisa provar aminus domino, isto é, que exerce a posse como se dono fosse.

No entanto, nesse novo usucapião o que se perquire é a causa de um dos cônjuges ou companheiros ter se afastado da morada comum. Desse modo, se houve abandono do lar, o que lá permanece torna-se proprietário exclusivo.

Da novidade só restam questionamentos. O que significa mesmo abandonar? Será que fugir do lar em face da prática de violência doméstica pode configurar abandono? E se um foi expulso pelo outro? Afastar-se para que o grau de animosidade não afete a prole vai acarretar a perda do domínio do bem? Ao depois, como o genitor não vai ser tachado de mau pelos filhos caso manifeste oposição a que eles continuem ocupando o imóvel?

Também surgem questionamentos de natureza processual. A quem cabe alegar a causa do afastamento? A oposição há que ser manifestada de que forma? De quem é o ônus da prova? Pelo jeito a ação de usucapião terá mais um fundamento como pressuposto constitutivo do direito do autor.

Além disso, ressuscitar a discussão de culpas desrespeita o direito à intimidade, afronta o princípio da liberdade, isso só para lembrar alguns dos princípios constitucionais que a lei viola ao conceder a propriedade exclusiva ao possuidor, tendo por pressuposto a responsabilidade do cotitular do domínio pelo fim da união.

Mas qual a solução para evitar a penalidade? Por cautela devem cônjuges e companheiros firmar escritura reconhecendo não ter havido abandono do lar? Quem sabe antes de afastar-se, o retirante deve pedir judicialmente a separação de corpos? E, ainda que tal aconteça, não poderá aquele que permaneceu no imóvel questionar que o pedido mascarou abandono?

Pelo jeito será necessário proceder a partilha de bens antes do decurso do prazo de dois anos. Mas talvez se esteja simplesmente retomando o impasse originário: vender o bem ainda que a metade do valor apurado não permita a aquisição de um imóvel.

Com certeza outras dúvidas surgirão. Mas a resposta é uma só. A lei criou muito mais problemas do que uma solução para garantir o direito constitucional à moradia.

2 comentários:

  1. Joinville,14 de agosto de 2011.


    Att. Sr. Dimitre Soares

    Venho através desta, tirar uma dúvida sobre divorcio. Li o seu blog e fiquei muito interessada sobre o assunto, meu marido abandonou a casa faz um ano e quatro meses, apenas chegou pra mim e falou que tinha arrumado outra pessoa e que não queria saber mais do nosso relacionamento, foi embora levando seus objetos pessoais e me deixou sozinha com dois filhos, nós eramos casados 20 anos. Fiquei muito abalada, pois ele não queria dar pensão e nem ajudar com nada para os filhos, e no decorrer do acontecimento descobrir que havia adquirido o virús de HPV (doença sexualmente transmissivel),pois ele ja estava se relacionando com outra pessoa. Procurei um advogado e estou esperando meu divorcio e divisão de bens perante o juiz que vai ocorrer dia 18 de outubro. Minha dúvida é: Pelo que eu li no seu Blog com a essa nova Lei quem abandona o lar não tem direito a nenhum bem, Gostaria que o Sr. avaliasse o meu caso pelo que eu escrevi e me explicasse se ele se encaixa nessa nova Lei, e também gostaria de saber quais meus direitos e o dele.
    Quero muito receber uma orientação sua.
    Desde já agradeço atenção e aguardo resposta.

    Sandra Larroyd
    sandralarroyd@hotmail.com

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  2. Caro Amigo eu estava a procura de um tema assunto relacionado ao usucapir pois estou iniciando meu trabalho de conclusão de Curso o temido TCC e fui premiado com esse magnifico artigo que o ilustre professor criou, o seu artigo será meu norte para a conclusão do meu TCC a sua forma clara como aborda o assunto e seus argumentos concisos serão a maneira como conduzirei esta minha tarefa, saber se fazer entender e passar conhecimento é um dom para poucos ate mesmo para professores experientes. Gostaria de agradece-lo, e ja sou mais um membro do seu site, ficarei atento aos seus pensamentos e esclarecimentos sobre esse tema "Nova modalidade de Usucapião por abandono de lar: a culpa pelo fim dos relacionamentos novamente em evidência " iniciarei a colher mais materiais sobre esse tema, por isso ficarei grato por ajuda. JULIO CESAR DIREITO -ULBRA-RS 8ª semestre email:juliuscesarmachado@hotmail.com

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