agosto 01, 2010

Em Campina, tudo o que há de melhor - José Nêumanne Pinto

Eu não conheço coisa melhor no mundo (a não ser talvez arroz com ovo frito e doce de caju) do que dançar o xote miudinho e não há quem o dance melhor do que os pares de Campina Grande. O casal ocupa alguns centímetros da pista, a área equivalente a um taco, e sobre eles saracoteia, dando três pulinhos para o lado, parando e repetindo a operação. O ritmo do zabumba dá as ordens e é fácil segui-lo. Difícil é encontrar o espaço equivalente a um taco nos quatro quiosques reservados para o distinto público no Parque do Povo nas noites frias de junho, particularmente nos fins de semana. Difícil, uma ova! É impossível mesmo. Mas como é bom. Viche!

Em Campina Grande se diz que o melhor São João do mundo se dança lá. Isso não é novidade: de tudo o que há no mundo o campinense vai sempre achar que lá ele tem o melhor. Meu ídolo de infância, o armador Araponga, do Campinense, nunca jogou uma partida pelo Santos de Pelé, pelo qual fora comprado. Mas não há criança em Campina Grande que não repita a lenda de que ele nunca perdeu um pênalti na vida e fez uma aposta com o próprio Rei na Vila Belmiro, batendo penais até perder um. E foi o crioulo quem perdeu. O caboclo Araponga, que nem em Campina nasceu, mas em Patos, o derrotou.

Na véspera de São João de 2001, antes do show, Gilberto Gil ouviu do prefeito Cássio Cunha Lima a notícia de que estava incentivando a retirada das placas comerciais da área central de comércio da Rua Maciel Pinheiro e vizinhanças porque elas escondiam o maior núcleo arquitetônico de art deco do mundo. Gil me perguntou, incrédulo, se era verdade. Quando Cássio já não estava mais entre nós, lembrei-lhe que somente aquele imenso hotel de Miami Beach é maior do que o centro de Campina Grande. Ora, ora!

Mas o São João, que não é natural da Rainha da Borborema (como também não o são os maiores artistas da cidade, Jackson do Pandeiro, de Alagoa Nova e Elba Ramalho, de Conceição do Piancó), pode ser a maior festa do mundo. Compete com o de Caruaru, no agreste pernambucano, onde se diz que há a maior feira livre do Brasil, quando na verdade ela fica exatamente na terra natal de Genival Lacerda e Marinês, a voz feminina que encantava Luiz Lua Gonzaga, o Rei do Baião. Mas aí meus amigos é discussão pra mais de mês. E se quiser chegar a alguma conclusão engraçada pode perguntar ao empresário Raminho da Planalto ou Biliu de Campina, astro do forró local, de preferência com a barriga roçando o balcão do Café São Braz ou tomando uma fresca, aquela brisa da serra que sopra preferencialmente nas proximidades da banca de queijos e doces de Wellington no Calçadão ou na bodega de Seu Aluízio, no Ponto de Cem Réis.

Outro conhecedor que pode esclarecer o assunto é o Gordo, o único mendigo em dia com a globalização planetária, pois dispõe de um vistoso celular (só que não o pendura numa corrente dourada como o faz Raminho) e que exige a esmola comodamente instalado num banco de cimento em frente à lanchonete de Henrique, onde se serve um doce que Nei Leandro nunca comeu em Natal: cartola. São duas bananas fritas sob um naco de queijo (de manteiga) mole com uma farofa de canela, chocolate e açúcar esparramada por cima. Meu pai me levava para comê-lo na lanchonete de Toinho de Mulata na Rua João Pessoa, hoje substituída por uma prosaica loja de auto-peças.

O causídico Bega também poderá ser valioso no esclarecimento da pendenga. Ele pode ser encontrado no restaurante que herdou do pai, Mané da Carne do Sol, um restaurateur que carregava a especialidade no apelido. A carne de sol também pode ser apreciada no Campina Grill ou na Tábua de Carne, ambos nas proximidades da estrada que segue para o Brejo.

Em qualquer desses lugares, mas principalmente nas mesas do Chope do Alemão, onde se come de joelhos um bode guisado com cuscuz de milho é possível se deparar com o promográfico (promotor e gráfico) Agnelo Amorim, diretor proprietário e redator singular do único diário que só sai uma vez por ano: O Boi Lucas, em homenagem a um reprodutor que ficou famoso porque foi comprado com dinheiro do Estado mas só inseminava as reses da fazenda particular do governador que o adquiriu.

Companheiro de prosa do senador e poeta Ronaldo Cunha Lima no Miúra, onde pontifica o garçom Espanha, Agnelo é autor do mais curto texto bíblico que se conhece: "O Evangelho Segundo Campina Grande": "No princípio, era o Verbo. Aí vieram os Agras e virou verba. Mas depois chegaram os Gaudêncios e não sobrou nada". Na manhã seguinte à publicação da parábola, a gráfica Santa Fé foi encontrada em pandarecos. Ao repórter da TV Borborema, fundada por Chatô, cujo nome lhe fora herdado de um tio esculápio que morava na cidade, o Dr. Agnelo explicou por que sabia que não foram Agras nem Gaudêncios que empastelaram o pasquim: "Não furtaram nada".

É como escreveu outro poeta campinense, que também não era de lá, Augusto dos Anjos: "Jesus não morreu, ele vive na Serra da Borborema, no ar da minha terra". E estão aí Ronaldo do Cata-Livro e o poeta Astier Basílio, um Rimbaud campinense, mas sem Verlaine (e sim Nanana), que não me deixam mentir. O velho Roldão Mangueira, líder da seita dos Borboletas Azuis, por exemplo, cansou de bater longos papos com o Nazareno às margens do açude Velho no quiosque do Mc Ronald, que se gaba de ser pobre mas competir com ninguém mais nem menos do que um ianque chamado Mc Donald.

* José Nêumanne, jornalista e escritor, é editorialista do Jornal da Tarde e não nasceu em Campina Grande, mas em Uiraúna, Paraíba.

Um comentário:

  1. Apesar de "pequena", sou apaixonada por esta cidade, aliás sou suspeita pra falar " a carioca mais paraiba e campinense que se pode conhecer", de todas as cidades que conhci, nenhuma me conquistoou tanto, e o sou encantada pelas noites frias de inverno com banhos de chuva, ou mesmo por simplesmente passear em suas ruas observando o simples viver das pessoas.

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