maio 21, 2013

Artigo: A maternidade limitada, por Jones Figueiredo Alves


A maternidade possível por técnicas de reprodução medicamente assistida fica, a partir de agora, limitada aos cinquenta anos, nos termos da Resolução nº 2.013/13, do Conselho Federal de Medicina, publicada ontem (10.05.13) no Diário Oficial da União. Acontece em plena vizinhança ao “Dia das Mães”.
A nova Resolução estabelece normas éticas para a utilização das técnicas de RMA, como dispositivos deontológicos a serem seguidos pelos médicos, revoga a Resolução CFM n.1.957/2010 e ainda define termos para a doação compartilhada de óvulos, descarte de embriões criopreservados e outras medidas bioéticas.
 
O limite etário para a maternidade, com uso de tais técnicas, inclusive para a gestação de substituição, por doação temporária do útero, é fixado em cinquenta anos, ou seja, para o pretendido efeito de harmonizar as técnicas de reprodução com princípios da ética médica, vincula a fase reprodutiva da mulher com freios inibitórios aos seus direitos procriativos após a idade cinquentenária.
 
Em bom rigor, a norma ético-limitadora, considera, de aplicação geral, a ideia de riscos obstétricos em gravidez tardia, sem a avaliação dos casos concretos das condições biológicas de mulheres que, em idade mais avançada, possam se submeter aos procedimentos.
 
De notar que legislações estrangeiras que tratam de disciplinar a reprodução assistida, a exemplo dos Estados Unidos, Portugal, Espanha e França, não estabelecem limites máximos etários e específicos para a procriação. Apenas obrigam, como no caso da Lei portuguesa nº 32/2006, de 26 de julho (art. 6º, 2), que as técnicas só possam ser utilizadas em benefício de quem tenha, pelo menos, dezoito anos de idade.
 
Lado outro, o mesmo limite etário para as gestações por outrem, desconsidera situações bem sucedidas de mães substitutas, além dos cinquenta anos. Mães portadoras que eram ao mesmo tempo avós, em idades superiores ao limite agora fixado, demonstram, na prática, a impertinência cientifica e social da limitação imposta.
 
Aos 51 anos, a agente de saúde Rosinete Palmeira Ferrão foi a primeira avó brasileira e no mundo a gerar netos gêmeos (Antonio Bento e Vitor Gabriel), através das técnicas de fertilização in vitro (Recife, 2007), quando antes, pioneiramente, em Nova Lima (MG), uma criança foi gerada pela avó. A engenheira Veridiana do Vale Meneses, de Nova Lima, na Grande Belo Horizonte, teve sua filha Bianca, quando sua sogra, Elisabeth Sales, aos 53 anos, emprestou seu útero à nora e ao filho Fabiano. (30.05.2004). Ano passado, em Santa Helena (GO), a avó Maria da Glória, também de 51 anos, após emagrecer onze quilos, possibilitou a filha Fernanda Medeiros (33 anos) ser mãe quando, por técnicas de RMA promovidas pelo SUS, emprestou o útero.
 
Mas não é só. A limitação de idade implica em frustração severa a projetos parentais arrimados legitimamente sob o direito à procriação, servindo como exemplo dignificante e eloquente o caso de Antônia Letícia, de Santos (SP), que por mais de vinte anos perseverou em seu projeto de procriação, obtendo, após três tentativas inexitosas de inseminação artificial, um casal de gêmeos (Sofia e Roberto), em 23 de outubro do ano passado. Exatamente aos sessenta e um anos de idade.
 
O ginecologista Orlando de Castro Neto foi enfático: “A idade não pesou em nada. A única condição é ter útero. Hoje em dia, por meio de medicamentos, você consegue fazer o processo (...) ela me deu muito menos trabalho do que grávidas bem mais jovens”.
 
No ponto, segundo o médico, “o fator de limitação é o histórico clínico da mulher”, isto significando, afinal, que a limitação etária, nada obstante a idade ser considerada pelo risco obstétrico, pode representar apenas preconceito incabível.
 
Demais disso, vale lembrar que o médico obstetra Artur Dzik, presidente da Sociedade Brasileira de Reprodução Humana (SBRH), considerou, ao tempo daquele evento, que “o que é sugerido pela SBRH é um limite de até 55 anos. A idade de 61 anos é discutível pelo aspecto social, mas o processo realizado não pode ser considerado antiético” (Fonte: G1.globo.com/ , em 25.10.2012).
 
Pois bem.
Sabido e consabido o fenômeno crescente de mulheres que, nas duas últimas décadas, permanecem “childless” (sem filhos), em nova realidade da maternidade postergada, quando são adiados os projetos parentais para prioridade da carreira e/ou da estabilidade financeira, a maternidade protraída agora enfrenta este componente novo, o da limitação etária, quando as futuras mães, então, precisarem do emprego de técnicas de procriação assistida.
 
Como a família ocupa, sempre, o primeiro lugar na escala de valores e os filhos são considerados indispensáveis ao equilíbrio conjugal ou convivencial, não custa lembrar, portanto, da importância da função parental da maternidade, quando a psicóloga Pascale Donati (2000), sublinha, com destaque, que “a não procriação é um afastamento da norma”.
 
Neste sentido, vale a advertência de Elisabeth Badinter, quando recorda o reclamo histórico de Rosseau (Século XVIII), em sua obra “Émile”, no sentido de a sociedade reinvestir na função materna.
 
Com efeito, quando se trate de projeto parental que exorte a reprodução assistida, não deve haver qualquer ato regulatório que limite mulheres de poderem ser mães. A limitação não pode ser escrita, salvo pelas próprias condições pessoais, e a tanto isto exigirá o exame do caso concreto.
 
Muito ao contrário, quem detenha as condições de ser mãe, independente do limite etário, deverá ter seu direito reprodutivo assegurado por pareceres médicos, intervindo, se preciso for, os conselhos regionais de medicina para a devida avaliação.
 
Por este viés, a maternidade mantém o seu espaço sagrado, sem conflitos e sem vedações.
 
Feliz Dia das Mães.
 
 
 
JONES FIGUEIRÊDO ALVES – O autor do artigo é desembargador decano do Tribunal de Justiça de Pernambuco. Diretor nacional do Instituto Brasileiro de Direito de Família (IBDFAM), coordena a Comissão de Magistratura de Família. Autor de obras jurídicas de direito civil e processo civil. Integra a Academia Pernambucana de Letras Jurídicas (APLJ).

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