novembro 24, 2012
Alteração do nome do transexual sem necessidade de cirurgia
A 2ª Câmara Cível do Tribunal de Justiça de Sergipe (TJSE), em
decisão unânime, concedeu a transexual o direito de ter o nome no
registro civil alterado para o gênero feminino sem a necessidade de
cirurgia de transgenitalização. A assistente social A. L. S. teve seu
pedido negado em primeira instância. O Ministério Público de Sergipe
recorreu sustentando que o autor da apelação (fls. 243/252) apesar de
ter nascido homem se identifica, desde a adolescência, psicológica e
corporalmente com o sexo feminino, adquirindo hábitos e postura
características do gênero.
O relator da apelação, Des. Ricardo Múcio de Abreu Lima citou em
seu voto a vice-presidente do Instituto Brasileiro de Direito de
Família, Maria Berenice Dias, afirmando que “em tempos passados, a
definição do sexo da pessoa se dava unicamente por meio da genitália.
Tal entendimento não se coaduna com as necessidades hodiernas, haja
vista a designação do sexo ser analisada sob o prisma plurivetorial e
não univetorial, como menciona Maria Berenice Dias”.
O IBDFAM participa como amicus curiae na ADI 4275 que tramita no
STF, cuja pretenção é reconhecer o direito dos transexuais, que assim o
desejarem, à substituição de prenome e sexo no registro civil,
independentemente da cirurgia de transgenitalização.
Para a advogada, pós-doutora pela Universidade de Montréal e
Integrante da Comissão Especial da Diversidade Sexual do Conselho
Federal da OAB, Tereza Rodrigues Vieira, a decisão da 2ª Câmara Cível do
Tribunal de Justiça de Sergipe é importante ao reconhecer que o
transexual não consegue viver com o desconforto e o constrangimento de
um nome que não corresponde à sua realidade. Tereza considera que
adequar nome e gênero são direitos da personalidade, portanto,
imprescindíveis para o desenvolvimento da pessoa em sociedade. A decisão
é inovadora também por reconhecer a alteração do registro sem a
necessidade de cirurgia de transgenitalização.
A advogada argumenta que nem todos desejam a cirurgia ou conseguem
realizá-la, mas todos aspiram o reconhecimento, uma vez que a cirurgia
não transforma homem em mulher ou vice-versa. “Assim, a realização da
cirurgia não é determinante para o reconhecimento. O mais importante é o
gênero da pessoa, como ela se sente, como se porta, como se veste.
Quando tratamos alguém no gênero feminino, por exemplo, não estamos
vendo sua genitália, portanto o que importa é a forma como a pessoa se
coloca diante da sociedade, seu comportamento, seus trajes, seus
gestos.”, explica.
Mudança de nome
A produtora musical e professora de canto Yamê Aram, teve que
abandonar sua carreira na música erudita. Aos 27 anos, quando descobriu
sua verdadeira identidade sexual, precisou abandonar a carreira
consolidada e se reinventar como artista, já que o único trabalho que
restou, após a mudança, foi o de professora de canto. “É impressionante
como foi libertador descobrir que eu era transexual. Na época eu dava
aula em uma escola e a maioria dos meus alunos eram adolescentes, eles
foram os que mais me ajudaram no processo para assumir-me”, relata.
Uma das barreiras enfrentadas por Yamê após ter assumido sua
identidade de transexual foi e continua sendo a dificuldade para alterar
seu registro civil. “Procurei o fórum de Belo Horizonte, mas, eles
simplesmente não souberam como encaminhar-me ou dar-me qualquer
informação. Saí totalmente decepcionada, pois, para mim, o nome do meu
registro nem de longe é meu. Ele não condiz com o que sou, é humilhante e
constrangedor quando me chamam no masculino”, destaca.
Além disso, mudar o nome é, para Yamê, um ato político e uma
parcela importante da construção do gênero. “Assim como o tipo de sexo
que pratico, as roupas que visto, o meu corte de cabelo e minha visão de
mundo, meu nome é parte do que sou. Não quero ser nada pela metade. Não
quero meias concessões para que a metade que eu não conquistei fique a
me gritar que eu só posso ser aquilo que terceiros me permitem. Não,
eu tenho o direito de ser por inteiro”, reflete.
Com relação as barreiras para a mudança de nome, Tereza Rodrigues
Vieira acredita que ainda existe preconceito do Judiciário quanto à
matéria. Ela explica que alegar impossibilidade jurídica do pedido não é
mais motivo para se rejeitar o pedido, diante da inexistência de
impeditivos legais expressos em nosso ordenamento jurídico. O princípio
da dignidade da pessoa humana e da inviolabilidade da intimidade,
consagrados constitucionalmente, no 1º., III, art. 3º. IV e art. 5º., X,
são fundamentais para a promoção do bem de todos, sem preconceito ou
discriminação. “Obrigar o transexual a conservar o seu sexo de registro
apenas em nome da realidade biológica é cruel demais, é desconhecer os
aspectos psicossociais do indivíduo; é fechar os olhos para a
singularidade e subjetividade de cada um. A vida é dinâmica e o direito
não pode contribuir para a infelicidade das pessoas”, enfatiza.
Transtorno de gênero
Em seu voto o Des. Ricardo Múcio Santana de Abreu Lima relatou:
"Pois bem, o transexualismo, definido como patologia pela Classificação
Internacional de Doenças, consiste em uma anomalia da identidade sexual,
em que o indivíduo se identifica psíquica e socialmente com o sexo
oposto ao que lhe fora determinado pelo registro civil". Para Tereza,
que participa de um movimento internacional que luta pela
despatologização, nem sempre o Judiciário vê a questão como patológica,
mas como uma maneira de ser, de exercer a identidade sexual. Ela explica
ainda que a transexualidade é mencionada na Classificação
Internacional de Doenças apenas para demonstrar que o indivíduo que já
realizou as cirurgias, procedeu de acordo com os padrões éticos
estabelecidos pelo Conselho Federal de Medicina, não caracterizando
lesão corporal, como entendiam nos anos oitenta.
Para Yamê Aram identificar a transexualidade como uma patologia é
reafirmar que o aspecto anatômico e sexual é mais relevante na
determinação do gênero do que o comportamento, o sentimento. “Não me
sinto mulher simplesmente porque gosto de homens. Sinto-me mulher por
que identifico em mim um conjunto de percepções de mundo que se entende
como sendo feminino. Aliás, a maioria dos homossexuais masculinos que
conheço gosta de homens, mas não vê muitas identificações com o gênero
feminino”, conclui.
A arte imita a vida
O tema da transexualidade já foi bastante abordado nos cinemas. No
dia 12 de novembro de 2012, foi a estréia nacional do filme “Laurence
Anyways” de Xavier Dolan, o longa canadense mostra a incomum história de
amor entre um transexual e uma mulher. Aos 30 anos, Laurence
descobre-se transexual e escolhe adquirir a imagem feminina. Ele tenta
salvar a relação que tem com a noiva depois de lhe anunciar o desejo de
se tornar mulher. A história tem enfoque nas relações de afeto no
núcleo da família e do casal. O diretor do filme, Xavier Dolan teve os
seus três primeiros trabalhos indicados para o festival de Cannes.
No filme “Meninos não Choram” (Boys Don't Cry, 1999) Teena Brandon é
uma menina que decide trocar de identidade, passando-se por um menino
chamado Brandon Teena. Ela passa a viver exatamente como sua identidade,
se apaixonando por outra menina, saindo com amigos e tudo mais. Porém,
quando todos descobrem sua verdadeira identidade, uma onda de violência
abala o local. No filme "Minha vida em cor de rosa" Ludovic Fabre, um
garoto de sete anos que não se reconhece como menino, se veste se sente e
comporta como uma menina e se depara com o preconceito de seus pais.
Fonte: IBDFAM
AUTHOR:
Dimitre Soares
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