outubro 31, 2012
Barriga de aluguel: o corpo como capital - Artigo de Rodrigo da Cunha Pereira
Os avanços da ciência têm feito coisas de que até Deus duvidava. O
método DNA desviou o eixo da investigação de paternidade, que era na
verdade uma inquisição sobre a moral sexual da mãe, para uma questão
científica. A biotecnologia abriu a possibilidade de inseminações
artificiais homólogas e heterólogas. Todas essas tecnologias, associadas
ao discurso psicanalítico, filosófico e jurídico, nos remetem hoje à
compreensão de que filiação, paternidade e maternidade são funções
exercidas. Em outras palavras, não interessa tanto quem gerou ou
forneceu o material genético, prova isso o milenar instituto da adoção –
pai ou mãe é quem cria. Daí a expressão criada pelo IBDFAM – Instituto
Brasileiro de Direito de Família e já absorvida pelo ordenamento
jurídico brasileiro: parentalidade socioafetiva, que é também geradora
de direitos e obrigações.
Advogado em Belo Horizonte, presidente nacional do Instituto
Brasileiro de Direito de Família, doutor (UFPR) e mestre (UFMG) em
Direito Civil. Autor de vários livros sobre os temas: Direito de Família
e Psicanálise aplicada ao Direito de Família.
Muitas questões decorrentes da fertilização in vitro ou Reprodução
Assistida – RA, que é a tecnologia de implantação artificial de
espermatozóides ou embriões humanos no aparelho reprodutor de mulheres
receptoras continuam sem uma resposta objetiva. Por exemplo, o que fazer
com os embriões excedentes? Pode-se descarta-los? Eles podem ser
implantados mesmo depois da morte de seus doadores? Tais questões têm
interferido negativamente no avanço do Direito e principalmente em
pesquisas que poderiam melhorar a vida e a saúde de muitas pessoas.
Uma das situações sobre a qual paira muito preconceito e impede a
evolução jurídica é a possibilidade de homens e mulheres tornarem-se
pais por meio da gravidez por útero de substituição. Conhecida também
como barriga de aluguel, o método consiste em uma mulher gerar em seu
útero filho de outra ou para outra. No século XIX, a medicina já havia
desvendado os mistérios da concepção e ultrapassou concepções morais e
teorias místicas e míticas sobre infertilidade. Foi assim que surgiu a
Resolução 1957/10 do Conselho Federal de Medicina estabelecendo regras
para a gestação de substituição e doação temporária de útero. Mas foi
acanhada e continua deixando milhares de mulheres sem a possibilidade de
serem mães por esta via. É que só podem “ceder” o útero quem for
parente até segundo grau. A questão sobre a qual se deve refletir é: por
que não se pode remunerar uma mulher pelo “aluguel” de seu útero?
Sabe-se que no Brasil acontece na clandestinidade o que já é lei em
vários países, a exemplo dos Estados Unidos, Israel, Austrália, Bélgica,
Dinamarca, Grã-Bretanha, Grécia, Holanda, Israel, Índia, Rússia e
Ucrânia.
O corpo é um capital físico, simbólico e econômico. Os valores
atribuídos a ele são ligados a questões morais, religiosas, filosóficas e
econômicas. Se a gravidez ocorresse no corpo dos homens certamente o
aluguel da barriga já seria um mercado regulamentado. Não seria a mesma
lógica a que permite remunerar o empregado no fim do mês pela sua força
de trabalho, despendida muitas vezes em condições insalubres ou
perigosas, e considerado normal? O que se estaria comprando ou alugando
não é o bebê, mas o espaço(útero) para que ele seja gerado. Portanto não
há aí uma coisificação da criança ou objetificação do sujeito. E não se
trata de compra e venda, como permitido antes nas sociedades
escravocratas e endossado pela moral religiosa. Para se avançar é
preciso deixar hipocrisias de lado e aprender com a História para não se
repetir injustiças. É preciso distinguir o tormentoso e difícil caminho
entre ética e moral.
A regulamentação de pagamento pelo “aluguel”, ou melhor, pela
doação temporária de um útero não elimina o espírito altruísta exigido
pelo CFM; evitaria extorsões, clandestinidade e até mesmo uma indústria
de barriga de aluguel. Afinal, quem não tem útero capaz de gerar um
filho não deveria ter a oportunidade de poder buscá-lo em outra mulher?
Por que a mulher portadora, que passará por todos os riscos e
dificuldades de uma gravidez, não pode receber por essa trabalheira
toda? Hoje as religiões já reconhecem que os bebês nascidos de proveta
têm alma tanto quanto os nascidos por inseminação artificial. Já foi um
avanço. Quem sabe no futuro próximo, nesta mesma esteira da evolução do
pensamento, alugar um útero para gerar o próprio filho, para aqueles que
não querem adotar, passará da clandestinidade para uma realidade
jurídica? Eis aí uma ética que se deve distinguir da moral
estigmatizante e excludente de direitos.
Rodrigo da Cunha Pereira
AUTHOR:
Dimitre Soares
Nenhum comentário:
Postar um comentário