agosto 12, 2010

Regime de Separação de Bens não permite concorrência sucessória

Caros leitores, trata-se de julgado importante do STJ, do final do ano passado, que entende e ratifica o art. 1829 do CC, segundo o qual,
no regime de Separação Convencional, não haverá concorrência do cônjuge supérstite com os descendentes do falecido.


Direito civil. Família e Sucessões. Recurso especial. Inventário e
partilha. Cônjuge sobrevivente casado pelo regime de separação
convencional de bens, celebrado por meio de pacto antenupcial por
escritura pública. Interpretação do art. 1.829, I, do CC/02. Direito
de concorrência hereditária com descendentes do falecido. Não
ocorrência.
- Impositiva a análise do art. 1.829, I, do CC/02, dentro do
contexto do sistema jurídico, interpretando o dispositivo em
harmonia com os demais que enfeixam a temática, em atenta
observância dos princípios e diretrizes teóricas que lhe dão forma,
marcadamente, a dignidade da pessoa humana, que se espraia, no plano
da livre manifestação da vontade humana, por meio da autonomia da
vontade, da autonomia privada e da consequente
autorresponsabilidade, bem como da confiança legítima, da qual brota
a boa fé; a eticidade, por fim, vem complementar o sustentáculo
principiológico que deve delinear os contornos da norma jurídica.
- Até o advento da Lei n.º 6.515/77 (Lei do Divórcio), vigeu no
Direito brasileiro, como regime legal de bens, o da comunhão
universal, no qual o cônjuge sobrevivente não concorre à herança,
por já lhe ser conferida a meação sobre a totalidade do patrimônio
do casal; a partir da vigência da Lei do Divórcio, contudo, o regime
legal de bens no casamento passou a ser o da comunhão parcial, o que
foi referendado pelo art. 1.640 do CC/02.
- Preserva-se o regime da comunhão parcial de bens, de acordo com o
postulado da autodeterminação, ao contemplar o cônjuge sobrevivente
com o direito à meação, além da concorrência hereditária sobre os
bens comuns, mesmo que haja bens particulares, os quais, em qualquer
hipótese, são partilhados unicamente entre os descendentes.
- O regime de separação obrigatória de bens, previsto no art. 1.829,
inc. I, do CC/02, é gênero que congrega duas espécies: (i) separação
legal; (ii) separação convencional. Uma decorre da lei e a outra da
vontade das partes, e ambas obrigam os cônjuges, uma vez estipulado
o regime de separação de bens, à sua observância.
- Não remanesce, para o cônjuge casado mediante separação de bens,
direito à meação, tampouco à concorrência sucessória, respeitando-se
o regime de bens estipulado, que obriga as partes na vida e na
morte. Nos dois casos, portanto, o cônjuge sobrevivente não é
herdeiro necessário.
- Entendimento em sentido diverso, suscitaria clara antinomia entre
os arts. 1.829, inc. I, e 1.687, do CC/02, o que geraria uma quebra
da unidade sistemática da lei codificada, e provocaria a morte do
regime de separação de bens. Por isso, deve prevalecer a
interpretação que conjuga e torna complementares os citados
dispositivos.
- No processo analisado, a situação fática vivenciada pelo casal –
declarada desde já a insuscetibilidade de seu reexame nesta via
recursal – é a seguinte: (i) não houve longa convivência, mas um
casamento que durou meses, mais especificamente, 10 meses; (ii)
quando desse segundo casamento, o autor da herança já havia formado
todo seu patrimônio e padecia de doença incapacitante; (iii) os
nubentes escolheram voluntariamente casar pelo regime da separação
convencional, optando, por meio de pacto antenupcial lavrado em
escritura pública, pela incomunicabilidade de todos os bens
adquiridos antes e depois do casamento, inclusive frutos e
rendimentos.
- A ampla liberdade advinda da possibilidade de pactuação quanto ao
regime matrimonial de bens, prevista pelo Direito Patrimonial de
Família, não pode ser toldada pela imposição fleumática do Direito
das Sucessões, porque o fenômeno sucessório “traduz a continuação da
personalidade do morto pela projeção jurídica dos arranjos
patrimoniais feitos em vida”.
- Trata-se, pois, de um ato de liberdade conjuntamente exercido, ao
qual o fenômeno sucessório não pode estabelecer limitações..
- Se o casal firmou pacto no sentido de não ter patrimônio comum e,
se não requereu a alteração do regime estipulado, não houve doação
de um cônjuge ao outro durante o casamento, tampouco foi deixado
testamento ou legado para o cônjuge sobrevivente, quando seria livre
e lícita qualquer dessas providências, não deve o intérprete da lei
alçar o cônjuge sobrevivente à condição de herdeiro necessário,
concorrendo com os descendentes, sob pena de clara violação ao
regime de bens pactuado.
- Haveria, induvidosamente, em tais situações, a alteração do regime
matrimonial de bens post mortem, ou seja, com o fim do casamento
pela morte de um dos cônjuges, seria alterado o regime de separação
convencional de bens pactuado em vida, permitindo ao cônjuge
sobrevivente o recebimento de bens de exclusiva propriedade do autor
da herança, patrimônio ao qual recusou, quando do pacto antenupcial,
por vontade própria.
- Por fim, cumpre invocar a boa fé objetiva, como exigência de
lealdade e honestidade na conduta das partes, no sentido de que o
cônjuge sobrevivente, após manifestar de forma livre e lícita a sua
vontade, não pode dela se esquivar e, por conseguinte, arvorar-se em
direito do qual solenemente declinou, ao estipular, no processo de
habilitação para o casamento, conjuntamente com o autor da herança,
o regime de separação convencional de bens, em pacto antenupcial por
escritura pública.
- O princípio da exclusividade, que rege a vida do casal e veda a
interferência de terceiros ou do próprio Estado nas opções feitas
licitamente quanto aos aspectos patrimoniais e extrapatrimoniais da
vida familiar, robustece a única interpretação viável do art. 1.829,
inc. I, do CC/02, em consonância com o art. 1.687 do mesmo código,
que assegura os efeitos práticos do regime de bens licitamente
escolhido, bem como preserva a autonomia privada guindada pela
eticidade.
Recurso especial provido.
Pedido cautelar incidental julgado prejudicado.

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