junho 22, 2010

Casal consegue na Justiça direito de fazer aborto de feto anencéfalo

Depois de recorrer de um pedido negado pela 1ª Vara Cível de Belo Horizonte, um casal conseguiu o direito de abortar o filho que a mulher espera. O feto é portador de anencefalia, uma má formação congênita que impede a criança de sobreviver após o nascimento. A interrupção da gravidez foi autorizada na tarde desta quinta-feira (17) pela 13ª Câmara Cível do Tribunal de Justiça de Minas Gerais.


De acordo com o TJ, os desembargadores Alberto Henrique, relator, Luiz Carlos Gomes da Mata e Francisco Kupidlowski foram unânimes e determinaram a expedição imediata de alvará para a realização do procedimento. Kupidlowski, presidente da sessão, ressaltou a urgência do caso e sua repercussão diante da sociedade e da imprensa nacional, colocando-o como o primeiro da pauta para ser julgado, logo no início da sessão.


O relator do processo destacou que o pedido de interrupção de gravidez foi instruído com pareceres médicos, todos recomendando o procedimento. Os laudos médicos anexados ao processo ratificam que a criança não sobreviverá e o Ministério Público foi favorável ao pedido dos pais, considerando um parecer médico realizado pelo Centro de Apoio Operacional das Promotorias de Justiça de Defesa da Saúde.


Ainda segundo o TJMG, o relator enfatizou que a anencefalia é uma patologia sem cura e que o feto portador dessa doença "não possui nenhuma expectativa de vida fora do útero materno". Para ele, "não é justo que à mãe seja imposta a obrigação de continuar com essa gravidez-sacrifício" e que seria um martírio levá-la às últimas consequências. Nesse caso, "as convicções religiosas devem ser deixadas de lado", ressaltou.

6 comentários:

  1. Alguns comentários:

    1)O código penal não abre outras excessões à punibilidade do crime de aborto que não o risco de vida da mãe ou o estupro. É possível a decisão judicial ferir frontalmente uma lei?

    A decisão baseia-se em princípios constitucionais, não na lei....

    Hum, desculpa fraquinha, uma vez que, até que tenha a sua inconstitucionalidade declarada, o Código Penal TAMBÉM está de acordo com os princípios constitucionais.

    Ou por acaso, primeiro obedecemos os "princípios" (muito confortável, pois eles tem o incrível poder de adaptarem-se a qualquer discurso), depois as decisões judiciais e apenas por último as leis?

    Quando inventaram essa hierarquia e não me avisaram?

    2)Desde quanto o tempo que alguém vai viver fora do útero é critério válido para a mensuração do merecimento que esta vida tem de ser vivida? Por acaso a dignidade de uma vida humana pode ser medida em dias e horas? Essencialmente falando, qual a diferença entre uma vida humana que dura um minuto e outra que dura um século?

    Exemplos não faltam de crianças anencéfalas que sobreviveram poucos minutos fora do útero, outras alguns dias, outras (mais raras) mais de uma ano. Estas últimas tinham mais direito a viver do que as primeiras?

    Como se mede a dignidade que uma vida humana tem de ser vivida?

    Ou não se mede?

    Se não se mede, então vida humana é vida humana e ponto final.

    Se se mede, ficamos diante do grandioso problema de estabelecer critérios para realizar essa medição: o tempo de vida, a capacidade mental, o bônus que aquela vida traz para o restante da sociedade, a cor da pele, o pertencimento ou não à raça ariana....

    Quem se arrisca a escolher?

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  2. Segundo a lei 9.434/97 (Lei de Transplantes), em seu art. 3º "A retirada post mortem de tecidos, órgãos ou partes do corpo humano destinados a transplante ou tratamento deverá ser precedida de diagnóstico de morte encefálica, constatada e registrada por dois médicos não participantes das equipes de remoção e transplante, mediante a utilização de critérios clínicos e tecnológicos definidos por resolução do Conselho Federal de Medicina."

    Segundo esta lei a vida humana se encerra com a constatação da morte encefálica do paciente. Então, se a vida humana se encerra com a morte encefálica, podemos dizer que ela se iniciou em um nacisturo que apresenta esta mesma "doença"? Segundo este entendimento, é possível dizer que existe vida humana sem a presença do cérebro? Acredito que não.

    Continuando, seria justo impor a gestante a dor e os sofrimentos psicológicos gerados por uma gravidez que se sabe sem perspectiva de sobrevida? Acredito que não. Impor isso a uma gestante é o mesmo que desrespeitar a sua dignidade enquanto pessoa humana, o seu direito a saúde, entre outros direitos fundamentais garantidos ao povo brasileiro pela nossa Constituição. Impor isso a uma gestante é apenas confirmar um pensamento ademais arraigado nos ditames religiosos que influenciarem e ainda influenciam o andar da sociedade brasileira em geral.

    Segundo o brilhante professor Hamilton Rangel Junior (Manual de Lógica jurídica Aplicada, cap.2,passim)"a moralidade que importa ao Direito não é a que,para satisfazer os ditames desse ou daquele sistema ético, oprime os demais; mas aquela que proporcione que, na diversidade, as diferentes morais convivam", só efetivando isso é que estaremos vivendo num Estado laico. Por isso tomo como sábia a decisão tomada pelo TJMG que não somente se baseou nos princípios constitucionais, de tal monta fundamentais e superiores a qualquer lei ou decisão que lhes afrontem, mas também porque foi baseada numa ideia de bom-senso, prudência e razoabilidade, livre dessa influência religiosa que ainda muito influencia todo o Estado brasileiro.

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  3. http://www1.folha.uol.com.br/folha/cotidiano/ult95u428993.shtml

    Essa notícia fala da menina Marcela de Jesus, anencéfala, morta depois de 1 ano e 8 meses de vida extra-uterina.

    http://www1.folha.uol.com.br/folha/cotidiano/ult95u346112.shtml

    Esta outra, de quando ela completou um ano.

    Segundo o raciocínio dos abortistas, a mãe e o pai da menina Marcela durante um ano e oito meses, banharam, vestiram e alimentaram um cadáver.

    Destinaram todo seu amor e dedicação, cortaram as unhas e cabelos, pentearam, beijaram, abraçaram e acalentaram, durante um ano e oito meses um defunto.

    Segundo o raciocínio dos abortistas, a senhora Cacilada Galante Ferreira, mãe da garotinha, via um cadáver engordar até atingir os doze quilos, via um corpo sem vida sorrir, sentar-se na hora de receber a papinha, tentar ficar em pé. Para os abortistas, os pais de Marcela ouviam um cadáver balbuciar quando a garota emitia seus "gugu dadás".

    E nunca! Nunca! Jamais! A pequena Marcela teve um cérebro! O diagnóstico dos médicos sempre foi o mesmo,desde as primeiras ultrasonografias até a autópsia: anencefalia!Uma anencefalia tão "anencefálica" quanto qualquer outra....

    O caso dela é raro?

    Raríssimo!

    Mas é a prova definitiva de que, diferente do que dizem os abortistas, os anencéfalos não são natimortos, e que enquanto seres humanos que são, sua dignidade não pode ser medida pelo tempo que passam fora do útero.

    Disse e repito: não há diferença essencial entre uma vida humana que dura um minuto e uma que dura um século.

    Ainda: todos os seres vivos, desde bactérias até baleias, passando por cogumelos e pés de alface são chamados de "vivos", mesmo sem ter um cérebro. Alguns nem sistema nervoso têm! Ainda assim se fala numa árvore viva, e numa árvore morta, numa bactéria viva, e numa bactéria morta.... Porque só para os seres humanos o critério deve ser outro?

    Outra questão interessante: não se fala em aborto de natimortos, fala-se em curetagem, ou outros procedimentos médicos para retirar o pequeno cadáver do útero da mãe.

    Abortar, pressupõe que o ser abortado possui vida.

    Logo, se se fala em aborto de anencéfalos, se está dizendo que os fetos em questão têm vida!
    Se o Supremo quiser realmente cometer essa barbaridade, pelo menos seja intelectualmente honesto e faça das duas uma: a) ou diga que o anencéfalo não tem vida, e então retire o termo "aborto" das decisões. ou b) admita que o feto tem vida sim, mas que esta, por um motivo qualquer não merece ser vivida.

    Um conselho de onze homens decidindo sobre quem tem direito seu direito à vida inviolável, e quem tem esse mesmo direito violável pela própria mãe.

    Essa não era bem a idéia que eu tinha de democracia....

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  4. O tema é realmente muito polêmico, a justiça brasileira está loge de atingir um bom resultado sobre esta questão! Assisti algumas palestras sobre o tema e os argumentos apresentados, tanto a favor como contra, são bastante discutíveis. Tenho sempre dito que precisamos estabelecer limites para nossa democracia, a CF/88 e seus princípios não pode ser coisificada, como tem sido feito para tentar justificar teses contraditórias...

    obrigado pelos comentários, continuem participando!

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  5. Algumas considerações.

    Acredito que fui mal compreendido quanto a minha laica explanação acerca do assunto. Não sou a favor do aborto, exceto quando este estiver amparado pelas exceções descritas pelo Código Penal, sou a favor da interrupção terapêutica da gestação em homenagem à saúde materna, isto é, em situações onde a interrupção da gravidez visa salvar a vida da gestante ou a priva-lá das dores e sofrimentos desnecessários que uma gestação, como de um feto anencéfalo que além de não possuir expectativa de sobrevida a sua gestação resulta em inúmeros problemas maternos, como eclâmpsia, embolia pulmonar, aumento do volume do líquido amniótico, possa afetar por demais a saúde materna ou até leva-lá a morte. A questão da interrupção da gestação de um feto anencéfalo, pode ser defendida pela natureza axiológica (teoria de valores) partindo do pressuposto dos danos psicológicos causados na gestante, e pela natureza teleológica (teoria dos fins) sob o ponto de vista de que a interrupção da gravidez trará não só o fim do massacre psicológico aos entes envolvidos, como também se evita o risco de vida eminente que sofre a mãe ao dar progressão a gestação, segundo nos ensina Marcia Kalinne L. Galvão de Oliveira.

    Segundo o dicionário Aurélio a vida é um "conjunto de propriedades e qualidades graças às quais animais e plantas, ao contrário dos organismos mortos ou da matéria bruta, se mantêm em contínua atividade, manifestada em funções orgânicas tais como o metabolismo, o crescimento, a reação a estímulos, a adaptação ao meio, a reprodução, e outras; existência; o estado ou condição dos organismos que se mantêm nessa atividade desde o nascimento até a morte; o espaço de tempo que decorre desde o nascimento até a morte." Desse ponto de vista todos aqueles seres que de alguma forma mantém uma vida biológica são considerados vivos, fato que equipararia e equipara, de certa forma, o ser humano a qualquer outro ser. Para Kant (Fundamentação da Metafísica dos Costumes, passim) o que nos destingue dos seres irracionais, além do pensamento racional, é a nossa chamada dignidade enquanto pessoas humanas. Assim o diz "os seres cuja existência depende, não em verdade da nossa vontade, mas da natureza, têm contudo, se são seres irracionais, apenas um valor relativo como meios e por isso se chamam coisas, ao passo que os seres racionais se chamam pessoas, porque a sua natureza os distingue já como fins em si mesmos, quer dizer, como algo que não pode ser empregado como simples meio e que, por conseguinte, limita nessa medida todo o arbítrio (e é um objeto de respeito)." Observe-se que em nenhum momento defendi que o feto não é um ser vivo ou que seja ele uma coisa. Defendi e defendo que o feto não é vida humana, mas ser que possui potencialidade para a vida humana, algo completamente diferente. O feto também não é uma coisa, como poderíamos pensar segundo este ensino de Kant, mas ainda não é uma pessoa, posto que seu potencial ainda não se realizou. Por isso não há que se falar em direito à vida do nascituro, posto que ainda não se trata de pessoa humana, não ocorreu o fato que fará surgir seu direito à vida, o nascimento, já que o termo inicial da aquisição do direito à vida é justamente o nascimento, fenômeno que faz surgir a pessoa humana. Segundo Manuel Sabino Pontes (Artigo: A anencefalia e o crime de aborto: atipicidade por ausência de lesividade) “o Estado não criminalizou o aborto em homenagem ao direito à vida, mas para proteger a dignidade relativa do feto, ou seja, a sua potencialidade de adquirir direito à vida e se tornar uma pessoa humana com o nascimento.” O que vemos é há o importante interesse do Estado como também da sociedade no nascimento do feto para que este realize seu potencial e passe a ser titular do direito à vida e da dignidade da pessoa humana, o que por ventura não poderá ocorrer de forma alguma com o feto anencéfalo.

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  6. CONTINUAÇÃO...

    Segundo dados do Wikipédia, a anencefalia consiste em malformação rara do tubo neural acontecida entre o 16° e o 26° dia de gestação, caracterizada pela ausência parcial do encéfalo e da calota craniana, proveniente de defeito de fechamento do tubo neural durante a formação embrionária. Esta é a malformação fetal mais frequentemente relatada pela medicina. A anencefalia não caracteriza somente casos de ausência total do encéfalo, mas sobretudo casos onde observa-se graus variados de danos encefálicos. Segundo expõe Fabricio Fazolli “a médica geneticista Dafne Horovits, em entrevista dada à revista Época na edição de 15 de março de 2004, afirma que: ‘A anencefalia é fatal em 100% dos casos’”. O caso Marcela: segundo especialistas que acompanharam e comentaram o caso, Marcela não tinha o córtex cerebral, apenas o tronco cerebral, responsável pela respiração e pelos batimentos cardíacos. Ou seja, por chocante que possa ser essa afirmação, Marcela possuía apenas vida biológica e não vida humana propriamente dita, já como salientado o que nos difere dos demais seres é a nossa qualidade de pensar e de nos autodeterminar acerca das situações cotidianas da vida. Não é que a senhora Cacilda Galante Ferreira cuidou, alimentou, banhou, um cadáver, pois do ponto de vista biológico Marcela possuirá sim o sopro vital, entretanto o que temos é que a senhora Cacilda, também por mais chocante que possa parecer essa afirmação, apenas nutriu esperanças por uma crisálida que lá no fundo sabia que jamais, em tempo algum, chegaria ao estádio de borboleta, segundo adaptação de uma frase do Ministro Carlos Ayres Brito, proferido nos autos da ADPF 54/DF.
    O assunto é bastante polêmico e gerador de acaloradas discussões. Continuo a creditar como certa a decisão do TJMG que deferiu o pedido da interrupção terapêutica da gestação de um feto anencéfalo, mas possa ser que num futuro não muito distante algum fato ou descoberta nova me faça mudar de opinião assim como daqueles que acompanham o meu pensar, é possível. Quanto ao STF, primeiramente, sobre a sua legitimidade para proferir decisões que afetem e ditem os rumos da nossa sociedade, eles estão devidamente legitimados pela nossa Constituição, feita por representantes devidamente escolhidos pelo povo, neste caso não extrapolaram o poder conferido pelo povo a sua autonomia. Se a democracia é um governo do povo para o povo, os ministros do STF nada mais fizeram do que formalizar a vontade da maioria da população brasileira quando julgaram procedente a ADPF 54/DF, ponto de partida legal desta discussão, segundo o expresso por diversas pesquisas com tal população, dentre as quais a encomendada ao IBOPE pela Revista Época nº 355, de 2005, onde 76% da população brasileira é favorável ao aborto no caso de problemas congênitos incompatíveis com a vida, como é o caso da anencefalia, a exemplo. Em segundo lugar, pessoas de alto gabarito como a dos ministros do STF também estão passíveis de erro, e se em algum momento eles conflitaram curetagem com aborto só nos resta lamentar, mas não foi isso o que eu percebi ao ler o voto do Ministro Carlos Ayres Brito neste julgamento, a exemplo. Finalizo minha explanação e consequentemente minha discussão acerca deste assunto, posto que a priori os fatos “velhos” não me satisfazem, poderemos volta-lá quando fatos “novos”, ditos científicos e não religiosos, aparecerem e colocarem em pauta novamente este assunto.
    Abraços fraternos a todos.

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