“Cai na prova da OAB?”
É cada vez mais comum a avaliação dos estudantes da graduação que as
aulas dos cursinhos são mais legais, mais dinâmicas, com musiquinhas.
Enfim, promovem a alegria do ensinar, enquanto muitos professores da
graduação querem discutir teoria, ler livros clássicos e teorias
complexas. São chatos.
Quando o acadêmico se
matricula no curso preparatório para o Exame de Ordem busca aprovação em
uma prova técnica, de decoreba, em que as táticas para aprovação são
bem diversas da necessária para compreensão do Direito. Por mais que
tenha havido alterações significativas na prova da OAB nos últimos
tempos, especialmente na atual gestão, continua-se com exigências
superficiais e desprovidas de maior questionamento teórico,
restringindo-se à técnica. E a prova da OAB não demonstra que ninguém é
capaz, embora seja condição para o exercício da profissão. Reprovar é
questão, muitas vezes, de sorte (aqui), como demonstrou Thays (aqui).
A diferença reside em aprender para a vida ou para prova
Assim é que se o estudante pretende criar memória capaz de passar na
prova e não para a vida, a tática de retenção das informações é diversa.
A memória é um complexo mecanismo de codificação, armazenamento e
recuperação. Segundo Robert J. Sternberg (da área da psicologia
cognitiva), “na codificação você transforma dados sensoriais em uma
forma de representação mental. No armazenamento você mantém as
informações codificadas na memória. Na recuperação você acessa ou usa as
informações armazenadas na memória”. Além disso, podemos falar de
armazenamento sensorial, de curto prazo e de longo prazo, embora haja
divergência teórica sobre os limites e configurações das categorias.
O
importante, para fins da nossa discussão, é que salvo a memória que se
fixa no cérebro do sujeito, as demais, de curta duração, ou seja, dos
fatos que não ocasionam, nem despertam a necessidade de retenção,
perdem-se. E a maioria da informação ministrada no curso de Direito
somente ganhará sentido depois. Daí o desinteresse muitas vezes dos
alunos. A construção paulatina e muitas vezes desprovida de sentido,
ganha, no “só depois”, o desvelamento da compreensão autêntica.
O
Direito é linguagem artificial, isto é, não é dado. A noção de
liberdade, igualdade, dignidade humana, por exemplo, em qualquer
processo judicial, demandaria a indicação da teoria que se fundamenta,
na linha da redação do artigo 489 do Novo Código de Processo Civil.
Partindo-se de Kant chegaremos a um lugar; se de Hegel, noutro, embora
possamos falar, em ambos, de Estado. Enfim, a Babel jurídica, de que nos
falava Warat, potencializa-se porque alguns não sabem, de fato e de
Direito, sequer a filiação teórica do que dizem. Mas enchem a boca e são
arrogantes porque foram aprovados em um concurso ou certame técnico.
Informativos do STF ou STJ na ponta da língua são suficientes?
Os professores de propedêuticas são chamados de teóricos e muitas vezes
ridicularizados por não saberem fazer uma petição inicial ou mesmo o
prazo dos embargos de declaração, já que há certa confusão entre o
jurista com formação ampliada e o tarefeiro. Isto é, o que domina as
regras, sabe todos os prazos, mas não consegue compreender o Direito.
Para alguns, o Direito se confunde com que o Supremo Tribunal Federal ou
o Superior Tribunal de Justiça decidem. Ouvimos, diversas vezes, que o
STF ou STJ julgaram de maneira diversa, normalmente citando-se uma
ementa ou súmula. Ao indagarmos os fundamentos da conclusão, a imensa
maioria lança um olhar de perplexidade, e diz: “precisa?”.
Assumem
papel de papagaios jurídicos, capazes de repetir, sem compreender, o
que se passa, nem sequer os fundamentos da decisão. Aí é que se tiverem
um pouco de honestidade, podem se dar conta da necessidade de estudar as
disciplinas propedêuticas. Afinal de contas, quando se pensou o
currículo mínimo do Direito, a formação teórica inicial não era
desprovida de sentido (Horácio Rodrigues). O estudante pode até querer
decorar normas jurídicas, mas sem entender o que contexto antecedente e
da estrutura, perde-se em papagaiadas.
Não se pode pedir mais do que se pode dar
Os lugares dos professores (de cursinho e de graduação) deveriam ser
diferentes. No contexto de quem busca aprovação em uma prova do Exame de
Ordem, o professor deve preparar o candidato para o que consta no
edital. É uma prova qualquer, com edital, táticas e estratégias.
Confundir a função de jurista, capaz de compreender o Direito como campo
e não mera normatividade, está para além da preparação da prova da OAB.
Daí que o professor da graduação não pode se confundir com o de
cursinho. É verdade que o modelo medieval de ensino merece atualização,
com novas perspectivas metodológicas (Direito e Literatura, Direito e
Cinema, cases etc.), mas que demandam que o acadêmico aceite abandonar o velho modelo de aula magistral. E muitos não querem.
Dar
aulas em cursinhos de aprovação da OAB não torna o professor um pária,
nem transforma o professor preocupado em formar teoricamente os
acadêmicos em um alienado da prova da OAB. Os cursos de graduação que se
transformaram em cursinhos para prova do Exame de Ordem é que
potencializam os estudantes em aprovados da OAB, mas incapazes, na sua
imensa maioria, de pensar as coordenadas teóricas em que o complexo
fenômeno do Direito acontece. Não se pode confundir os lugares, nem
acreditar que se cursa Direito para passar na prova da OAB.
Tahels Garrido da UFRN, mandou o link deste texto interessante ( http://revistaepoca.globo.com/Revista/Epoca/0,,EMI91736-15228-1,00-FAMILIA+...
O AUTOR
Mestre e Doutor em Direito. Pós-Doutor em Direito Civil pela Programa de Pós-Graduação em Direito da Universidade Federal de Pernambuco - UFPE/ Faculdade de Direito do Recife - FDR. Professor Adjunto III de Direito de Família Sucessões da Universidade Federal do Rio Grande do Norte - UFRN e da UNIFACISA. Professor da ESMA-PB e da ESA-PB. Professor convidado em cursos de Especialização na Área de Família e Sucessões em todo o país. Palestrante. Advogado especializado em Direito de Família. Autor dos livros "Leis Civis Especiais no Direito de Família", pela Juspodivm - BA e "Direito de Família, Direitos Humanos" pela Edijur - SP e "O ensino do Direito de Família no Brasil" - Ed. Fórum. Foi Presidente da Comissão Estadual de Direito de Família da OAB/PB. Foi Presidente do IBDFAM-PB. Membro da International Society of Family Law e da Academia Iberoamericana de Derecho de Familia y de las Personas. Membro do IBDFAM - Instituto Brasileiro de Direito de Família. Membro Pesquisador do CONREP - Constitucionalização das Relações Privadas - Faculdade de Direito do Recife- UFPE. Contato: professordimitre@hotmail.com
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