julho 29, 2015
Ação penal relativa a violência doméstica deve prosseguir mesmo se a vítima não tiver interesse
O Supremo Tribunal Federal já decidiu, no julgamento da Ação Direta de
Inconstitucionalidade (ADI) 4.424, que a ação penal relativa a
violência doméstica contra a mulher tem natureza pública incondicionada.
Por isso, o ministro Marco Aurélio (STF), julgou procedente Reclamação
(RCL 19525) para cassar acórdão do Tribunal de Justiça do Rio Grande do
Sul (TJ-RS) que, em razão do desinteresse da vítima no prosseguimento da
ação penal, manteve a absolvição de um homem acusado de agredir a
companheira.
O Ministério Público gaúcho (MP-RS) formalizou ação penal contra o
acusado de agredir fisicamente a companheira, no interior do Rio Grande
do Sul. De acordo com os autos, a vítima ofereceu representação contra o
agressor perante a autoridade policial e requereu medidas protetivas de
segurança. Um ano e meio após o ocorrido, a vítima voltou a morar com o
agressor. Em audiência perante o juiz, a mulher mostrou desinteresse em
manter o processo contra o companheiro. Ela chegou a confirmar as
agressões, mas ressaltou a mudança de comportamento do réu, que teria
largado o vício do álcool, um dos motivos da agressão.
O juízo de primeira instância absolveu o réu, decisão que foi mantida
pelo TJ-RS ao julgar apelação do Ministério Público. De acordo com a
Corte estadual, “em que pese tenha a vítima ofertado representação
contra o réu junto à autoridade policial e pedido medidas protetivas, o
que se denota é que esta, transcorrido um ano e meio do fato, voltou a
residir com o réu”. O tribunal gaúcho ressaltou ainda a intenção da
vítima em manter o vínculo familiar, com retorno voluntário ao lar
conjugal após o fato.
Na reclamação ao STF, o MP gaúcho sustentou que, ao extinguir o
processo criminal em virtude da manifestação de desinteresse da vítima, a
Justiça estadual teria conferido à Lei Maria da Penha interpretação
diversa da adotada pelo STF no julgamento da ADI 4.424. Para o MP,
eventual retratação da vítima ou perdão ao agressor seria irrelevante,
diante da natureza pública incondicionada da ação penal no caso.
Em sua decisão, o ministro Marco Aurélio afirmou que o motivo da
absolvição foi o desinteresse da vítima na persecução penal do ofensor e
que, apesar de o juízo também haver aludido ao decurso do tempo, partiu
de premissa segundo a qual a ação penal, no caso, seria de natureza
pública condicionada à representação da vítima. Para o ministro, esse
entendimento contraria frontalmente o que foi decidido pelo Supremo na
ADI 4.424, na qual a Corte afirmou que a ação penal relativa a lesão
corporal resultante de violência doméstica contra a mulher tem natureza
de ação pública incondicionada.Com esses fundamentos, o ministro julgou
procedente a RCL para cassar o acórdão da Primeira Câmara Criminal do
TJ-RS.
Eficácia “erga omnes” - Para a promotora de justiça
aposentada Adélia Moreira Pessoa (SE), presidente da Comissão de Gênero e
Violência Doméstica do IBDFAM, a decisão do ministro Marco Aurélio está
em sintonia com o que foi decidido pelo STF na ADI Nº 4.424 e reitera
entendimento de que a ação penal, no crime de lesão corporal praticada
no âmbito de violência doméstica contra a mulher, é pública e
incondicionada.
“Depois que o STF afastou todas as interpretações contrárias,os juízes
e demais tribunais não podem decidir contrariamente ao que foi
assentado pelo STF.Isso porque, de modo geral, a decisão em sede de
ações de constitucionalidade produz efeito erga omnes (contra todos) e
vinculante em relação aos demais órgãos do Poder Judiciário e da
Administração Pública federal, estadual, distrital e municipal”, diz.
Segundo ela, se a ação penal é pública e incondicionada, não há que se
falar em desistência. “O Ministério Público - sendo o titular da ação
penal e não a vítima - pode e deve prosseguir o feito até a sentença
final, sendo irrelevante a vontade da vítima. Aliás, sendo crime de ação
pública incondicionada não há óbice a que qualquer pessoa comunique o
fato às autoridades policiais que, obrigatoriamente, têm que apurar o
fato e encaminhar à justiça e, havendo o mínimo conjunto probatório,
deve o promotor intentar a ação penal”, diz.
Ciclo da violência – Adélia explica que o crime
passível de ação pública incondicionada, como nos casos de violência
doméstica, afeta toda a sociedade e o autor deve ser responsabilizado,
mesmo que a vítima não queira. Issoporque a relação violenta de gênero
não é linear, devido ao “ciclo da violência”, quando o agressor tem
fases de arrependimento, pedidos de perdão, promessas de mudança,
seguidos, após algum tempo, por conflitos e agressões.
“A mulher muitas vezes cede aos apelos do companheiro para retornar à
convivência, eventualmente, por sentimento de dependência; por pressões
da própria família; por sentimento de proteção e preocupação com o
impacto da denúncia sobre outros membros da família (medo da
desintegração); por ausência de alternativas reais econômicas e sociais;
e, ainda, por vários mitos culturais e religiosos como, por exemplo, a
ilusão que conseguirá mudar o parceiro”, diz.
Por isso, segundo Adélia, um dos maiores desafios no enfrentamento à
violência doméstica contra mulher é a instabilidade da vítima em manter
suas declarações iniciais na polícia. Assim, é fundamental construir
estratégias de empoderamento das mulheres em situação de violência- com
apoio efetivo dos poderes públicos municipais, estaduais e federais, por
meio de políticas públicas eficazes que ofereçam reais alternativas às
mulheres.
“Mesmo depois da Lei Maria da Penha, muitas vezes, ocorria a audiência
preliminar de ratificação em que a vítima desistia da representação
feita na polícia - chamávamos este ato de ‘Audiência de Desencorajamento
da Vítima’. Isso acontecia porque muitos magistrados e promotores de
justiça entendiam que a lesão corporal era passível de ação penal
condicionada à representação da vítima e que a audiência preliminar era
obrigatória em todos os casos de violência doméstica, apesar de a Lei
Maria da Penha determinar expressamente que a Lei 9099/95 - estabelece
que o crime de lesão corporal dependente de representação da vítima -
não se aplica à violência doméstica”, diz Adélia.
AUTHOR:
Dimitre Soares
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