julho 15, 2013
Artigo: "Filhos que abandonam", por Jones Figueiredo Alves
Na
China, vigora desde segunda feira última (01.07) lei de visita
frequente obrigatória parental, institucionalizando uma antiga tradição
chinesa, a de prestação de cuidados filiais aos pais idosos, que
necessitam da presença afetiva dos filhos, servindo-lhes de suporte
emocional e existencial à idade avançada.
No
caso, a “Lei de Proteção dos Direitos e Interesses do Idoso” (“Law of
Protection of Rights and Interests of the Aged”) revigora, no plano
jurídico-legal, valores morais que devem ser preservados na sociedade
chinesa, despertando a consciência critica dos mais jovens, no objetivo
de os filhos não abandonarem os pais; devendo-lhes, antes de tudo,
cuidados adequados, carinho presente e atenção de vigília, em proteção
objetiva da família que conta, em seu núcleo básico, os pais ou
familiares anciãos, como pessoas vulneráveis e dignas de proteção
integral.
A
nova lei alcança como destinatários favorecidos cerca de 194 milhões de
chineses, que compreende 14,3% da atual população, situada na faixa
etária superior a sessenta anos, valendo assinalar que nos próximos
quarenta anos (2053), o percentual etário de idosos será elevado para
35% da população, representando, então, cerca de 487 milhões.
Doravante,
a visitação torna-se obrigatória, de tal conduto a desconstituir
qualquer hipótese de caracterização de abandono afetivo pela ausência
recalcitrante dos filhos.
Referida
ausência tem ensejado atualmente na China inúmeras demandas judiciais
de pais abandonados que reclamam o devido suporte emocional que lhes
faltam diante da omissão dos filhos abandonantes.
No
Brasil, a Constituição Federal consagra ordem jurídica de tutela máxima
de proteção ao idoso, sobremodo na esfera familiar, em perspectiva de
dignidade constitucionalmente assegurada pelo
art. 230 da Carta Magna que, afinal, orientou a Lei nº 8.842, de 4 de
janeiro de 1994, dispondo sobre uma política nacional de proteção ao
idoso.
A seu turno, a
responsabilidade parental mútua tem séde constitucional, em dicção do
art. 229 da CF de 1988, ao estabelecer que “os pais tem o dever de
assistir, criar e educar os filhos menores, e os filhos maiores tem o
dever de ajudar e amparar os pais na velhice, carência ou enfermidade”.
No mesmo sentido, o Estatuto do Idoso - Lei nº 10.741/2003 -acentua
que a família e o Estado devem assegurar ao idoso os direitos
fundamentais bem como o respeito à convivência familiar e comunitária.
Entretanto,
torna-se preciso e urgente que não sejam observadas mais rugas no
espírito do que na face. O idoso brasileiro é, em regra, indigente em
sua dignidade de ser idoso. Faltam-lhe a força de trabalho e melhores
condições de qualidade de vida. Ele é tratado como problema e não como
um segmento social valorizado em suas características próprias. A
cidadania do idoso deve ser por isso, tema recorrente, iniciada no
próprio cenário familiar.
Envelhecer
não é estigmatizante. Ser idoso também não. Saber envelhecer é saber
ser idoso, e não envelhecido pela idade adiantada. Mudam as cores do
tempo, chega a estação outonal e, com o avanço da idade, revela-se a
vida, com novos matizes, ajustando o homem, com dignidade, a sua
experiência a um novo tempo que o acrescenta.
Afinal,
o homem envelhece na ordem direta da vida e na ordem inversa da
resistência da alma, como advertiu Victor Hugo. Ele compreendeu que as
pessoas apenas envelhecem pelo relógio do tempo, e somente se tornam
velhas quando não mais se colocam cúmplices da vida. Uma quebra de
harmonia com o espírito jovem comunicante que vincula o homem ao seu
tempo presente e o faz referir sempre com um olhar para o futuro. Pensar
e viver no passado é envelhecer definitivamente. Aprender algo novo,
descobrir contextos mais amplos, saber estimular a capacidade cognitiva,
exercitar a vida pelo aprendizado que ela oferece, tudo isso significa
envelhecer bem, e envelhecer menos. A velhice não é uma variável fixa,
conforme acentuou Groisman; ela é uma realidade culturalmente
construída.
Pois bem.
Na
mesma diretiva da recente lei chinesa, projeto legislativo apresentado
na Câmara Federal cuida de estabelecer sanções civis e punitivas aos
filhos que abandonem os pais idosos. O projeto de lei 4.294/2008, do
deputado Carlos Bezerra, acrescenta parágrafo ao artigo 3º do Estatuto
do Idoso, prevendo indenização por dano moral decorrente do abandono de
idosos por sua família.
Mais precisamente, a redação dada ao parágrafo segundo proposto dispõe:
“O
abandono afetivo sujeita os filhos ao pagamento de indenização por dano
moral”. Lado outro, o mesmo projeto introduz parágrafo único ao artigo
1.632 do Código Civil, expressando: “o abandono afetivo sujeita os pais ao pagamento de indenização por dano moral.” Com efeito, estabelece, em largo espectro, a indenização por dano moral em razão do abandono afetivo, nas relações paterno-filiais.
A
inovação legislativa ganha maior relevância jurídica, quando consabido
que a população anciã brasileira chegará a 32 milhões em 2025, tornando
nosso país o sexto com maior população idosa do mundo.
Segue-se
anotar, todavia, que a tramitação ordinária do projeto encontra-se
estacionada desde 13.04.2011, quando a Comissão de Seguridade Social e
Família (CSSF) aprovou o parecer do relator, deputado Antonio Bulhões, à
unanimidade. No parecer, apresentou-se parágrafo único ao artigo 5º do
Estatuto do Idoso, com a redação seguinte:
“Comprovado o abandono afetivo por parte da família, caberá indenização
por dano moral ao idoso (NR).”. Induvidoso que a nova redação tem
melhor alcance e adequação lógica.
Em
tempos de pauta positiva do Congresso Nacional, adiantando a apreciação
de projetos de lei com maior pertinência à cidadania brasileira, urge,
portanto, que esse projeto retome a sua tramitação, no efeito de
resultado útil à efetividade legal da proteção ao idoso.
Bem
cientes todos que a obrigação dos filhos diante os pais idosos tem viés
constitucional, para além do Direito de Família, conforme princípio de
solidariedade familiar e que, em bom rigor, não seja preciso escrever na
lei obrigações morais, de proteção afetiva, quando bastaria o
compromisso de dignidade nas relações familiares, o exemplo chinês é
oportuno, quando edita-se a lei, antes de mais como aviso legal de uma
obrigação afetiva de cuidado.
O
amparo das pessoas idosas reflete a própria maturidade de uma sociedade
melhor organizada e digna de si mesma, pelo conjunto harmônico das
relações em família. Assim, a dignidade do idoso é pauta de urgência.
JONES FIGUEIRÊDO ALVES
– O autor do artigo é desembargador decano do Tribunal de Justiça de
Pernambuco. Diretor nacional do Instituto Brasileiro de Direito de
Família (IBDFAM), coordena a Comissão de Magistratura de Família. Autor
de obras jurídicas de direito civil e processo civil. Integra a Academia
Pernambucana de Letras Jurídicas (APLJ).
AUTHOR:
Dimitre Soares
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