fevereiro 14, 2013
Entrevista: Filiação socioafetiva - Por:Rodrigo Toscano de Brito
O Supremo Tribunal Federal (STF) reconheceu a repercussão geral do
tema que discute a prevalência da paternidade socioafetiva sobre a
biológica. Na origem do processo, uma mulher requereu a anulação de seu
registro de nascimento feito pelos avós paternos como se estes fossem os
pais, e o reconhecimento da paternidade biológica. A intenção é ser
reconhecida como herdeira também do pai biológico, que veio a falecer.
Em primeira instância, a ação foi julgada procedente e este entendimento
foi mantido pela segunda instância e pelo Superior Tribunal de Justiça.
Para debater o tema, convidamos o advogado Rodrigo Toscano de Brito,
presidente do IBDFAM/PB. “O caso, que será julgado pelo STF, será um
entre milhares no Brasil e a interpretação atualizada do art. 226 da
Constituição é um tema que interessa a toda a sociedade e às pessoas que
precisam da tutela do direito em situações análogas”, afirmou
Como o senhor avalia a posição do TJPB e do STJ preferindo
prestigiar os efeitos da paternidade biológica em detrimento da
paternidade socioafetiva?
A rigor, os tribunais se pronunciaram a respeito do assunto dando
ênfase à imprescritibilidade do direito de se buscar a filiação
biológica, deixando de lado os laços afetivos existentes. É nesse ponto
que reside a importância do tema. É que não se nega o direito da pessoa
de saber sobre a sua origem biológica. O ponto é justamente esse, qual
seja, o de delimitar os efeitos da paternidade biológica aos direitos da
personalidade, quando há, na realidade fática, uma clara relação de
afeto entre pessoas que não guardam laços biológicos, mas que, nem por
isso, deixaram de constituir família. No caso, há fortes laços afetivos,
uma verdadeira relação entre pai socioafetivo (que era o avô), mãe
socioafetiva (que era a avó) e filha socioafetiva (que é a neta) que foi
criada ao longo de muitos anos e que, inclusive, em razão dessa
realidade socioafetiva já gerou para a filha efeitos patrimoniais por
ocasião do falecimento dos pais socioafetivos, tendo já havido
recebimento de herança por parte da filha socioafetiva. Aliás, é esse
ponto que tem ainda maior importância quanto ao tema. Não se pode
esconder uma realidade fática socioafetiva, com todos os seus efeitos,
dando ênfase apenas à realidade biológica confundindo o assunto com a
imprescritibilidade do direito de conhecer a realidade biológica. Em
casos análogos, a paternidade biológica deve estar adstrita ao direito
da personalidade no sentido de se conhecer a origem biológica, sem
apagar um registro público de nascimento, anulando-o como se nada
houvesse ocorrido no plano fático quanto aos laços afetivos de família
e, ainda, dando prevalência à filiação sanguínea, estendendo efeitos
patrimoniais, como se a relação afetiva não tivesse nenhuma importância.
É essa questão que agora chega à discussão do STF.
Qual a importância de o Supremo Tribunal Federal ter
reconhecido a repercussão geral do tema que discute a prevalência, ou
não, da paternidade socioafetiva sobre a biológica?
O ministro relator reconheceu a repercussão geral na decisão que
admitiu o seguimento do recurso extraordinário porque sabe da
importância e ampla repercussão do tema para a família brasileira. O
caso, que será julgado pelo STF, será um entre milhares no Brasil e a
interpretação atualizada do art. 226 da Constituição é um tema que
interessa a toda a sociedade e às pessoas que precisam da tutela do
direito em situações análogas. O próprio STF, ao julgar a questão sobre o
reconhecimento da família homoafetiva já deu ênfase às relações de
afeto entre pessoas do mesmo sexo. Agora, o STF se debruçará sobre a
discussão quanto aos efeitos do afeto na relação filial. Tema de ampla
repercussão social, considerando a realidade da família brasileira.
Qual a repercussão jurídica do caso?
Na medida em que o STF se pronuncia sobre os efeitos do afeto nas
relações de família, nós passamos a ter uma interpretação mais
atualizada do art. 226 da Constituição. Há um alargamento natural do
conceito de família, de modo a se adaptar à realidade da família no
Brasil. O conceito jurídico de família vem se ampliando, de modo que a
família com matizes biológicos divide hoje espaço com a família formada a
partir de relações de afeto, inclusive entre pais e filhos (filiação
socioafetiva). Além disso, do ponto de vista estritamente jurídico, há
uma discussão sobre os efeitos das relações de família que se formam a
partir de laços afetivos, ou seja, efeitos sobre direito patrimonial, da
personalidade, registral, entre outros, reforçando, inclusive as teses
do IBDFAM. Um ponto interessante, aliás, é esse da nulidade do registro:
por que anular um registro se ele, inclusive, retrata uma realidade
fática de filiação socioafetiva? Esse é um tema de repercussão geral,
até mesmo porque o registro público deve ser um espelho das situações
fáticas vividas pelas pessoas e não um elemento que esconda uma
realidade, especialmente de afeto.
Na opinião do senhor, por que o caso reforça as teses do IBDFAM?
O IBDFAM é o grande responsável pela difusão na doutrina e
jurisprudência brasileiras sobre a necessidade de se dar importância e
atribuir efeitos às relações de família formadas com base no afeto. As
publicações do IBDFAM e a realização dos congressos estaduais e
brasileiro foram determinantes para que hoje os tribunais brasileiros
deem a devida importância à família formada com base no afeto. São
inúmeros filhos no Brasil, como dizemos, “de criação”, são inúmeros
filhos que foram registrados a partir daquilo que o próprio IBDFAM
ajudou a difundir que é a chamada “adoção à brasileira”, para citar
alguns exemplos que podem gerar relações de filiação socioafetiva que
hoje merece a atenção devida dada pelos tribunais.
Fonte: IBDFAM
AUTHOR:
Dimitre Soares
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