Autora: Maria Aglaé Tedesco Vilardo
A ação de investigação de paternidade é um processo de
competência de Vara de Família. O autor da ação que desejar ter o nome de seu
pai no seu registro de nascimento e os direitos decorrentes da paternidade
(como pensão de alimentos, visitação e direito à herança no caso de morte)
poderá pedir o reconhecimento em Juízo. Se tiver menos de 16 anos será
representado pela mãe. Se tiver entre 16 e 18 anos será assistida, mas precisa
manifestar expressamente sua vontade em ter o reconhecimento. Quando maior de
18 anos poderá pedir sem interferência da mãe.
Neste processo o pai será citado, o que significa que deverá
tomar conhecimento do pedido de reconhecimento de paternidade e se manifestar
sobre os fatos, confirmando ou não ser o pai. Caso assuma a paternidade poderá
ser feito o registro imediatamente. Em caso de manifestar incerteza poderá
requerer o exame de DNA.
A mãe deverá ser intimada da data para o exame para levar a
criança. O suposto pai será intimado para comparecer sendo advertido do que
consta nos artigos 231 e 232 do Código Civil: caso se negue a submeter-se ao
exame não poderá aproveitar-se de sua recusa e esta poderá suprir a prova que
se pretendia obter com o exame.
A
lei nº 8560, de 1992, que trata das questões específicas da investigação de
paternidade, afirma, no art.2º-A, parágrafo único, que a recusa do réu em se
submeter ao exame de código genético - DNA gerará a presunção da paternidade, a
ser apreciada em conjunto com o contexto probatório. Esse mencionado contexto
significa que a mãe deverá trazer provas de que há possibilidade do indicado
como pai ser realmente o pai, pois ausente a comprovação através do exame de
DNA.
A jurisprudência vem decidindo dessa forma, o que representa
um esforço probatório maior para a mãe que muitas vezes teve uma única relação
sexual com o indicado pai e ninguém nunca a viu na companhia dele para
testemunhar que tiveram um relacionamento.
Na prática isso representa o insucesso de muitas ações de
investigação quando não há exame.
Se a relação entre a mãe da criança e o réu (investigado
como pai da criança) tiver sido passageira, fugaz, com poucos encontros entre o
casal dificilmente deixará indícios de que ocorreu. Não haverá bilhetes e
cartões de amor, não haverá fotografias do casal, nem mesmo haverá testemunha
para dizer que viram os dois juntos. O relacionamento, especialmente quando o
homem é casado, ocorre às escondidas, para que ninguém testemunha uma traição.
Mesmo quando não há traição é comum que o casal se encontre em um determinado
bar ou festa, saiam juntos e depois não tenham mais qualquer convívio. Se a
gravidez resultar de situações como as mencionadas e o réu se negar a fazer o
DNA qual será a prova que a mulher poderá produzir em Juízo? Certamente
nenhuma. Neste caso, nesse entendimento de que a negativa do homem em fazer DNA
não gera a presunção absoluta de que ele e o pai, nos termos dos artigos das
leis apresentados acima, o resultado será a improcedência do pedido inicial, ou
seja, não será reconhecida a paternidade.
A lei brasileira busca a proteção com prioridade absoluta
aos direitos da criança. Acolhemos as declarações internacionais onde se tem
como norma atender ao melhor interesse da criança, conforme a Declaração
Universal dos Direitos da Criança, onde no Princípio II diz que “a consideração
fundamental a que se atenderá será o interesse superior da criança”. Quando se
prioriza o entendimento de que mesmo o homem se recusando a fazer o exame de
DNA deve-se exigir outras provas da mãe, não se atende ao interesse superior da
criança. A liberdade do homem em querer ou não fazer o exame pode ser
respeitada, porém deve incidir a presunção absoluta de que é o pai.
O desvalor da palavra da mulher em situações semelhantes
passa pela discriminação de gênero e cerceamento da liberdade sexual da mulher.
É como se a sociedade estivesse dizendo para a mulher que teve relacionamento
sexual fugaz que a responsabilidade daquele ato é somente sua. Como se
dissesse: transou porque quis, agora assuma sozinha. Sua indicação de que o réu
é o pai é tratada com desconfiança, afinal, como se diz, ela pode indicar quem
ela quiser e fazer daquele homem o pai de seu filho movida por interesse
puramente econômico.
Esse pensamento, de conteúdo discriminatório, não tem base
em qualquer pesquisa que demonstre a falsa indicação do pai. Qualquer ação
judicial pode ser julgada improcedente ao final. Muitas o são e outras tantas
não recebem a procedência total do pedido. Contudo, quando se trata de ação de
investigação de paternidade há uma predisposição a se acreditar que a mulher
pode não estar indicando o pai corretamente.
São raras as pesquisas com dados estatísticos dos processos
judiciais. Para tentar compreender melhor o que ocorre com as ações judiciais
para declaração de paternidade pesquisei os resultados das ações de
investigação de paternidade na 15ª Vara de Família da Capital do Rio de
Janeiro, no período de 2007 até agosto de 2012. A tabela abaixo apresenta os dados examinados:
Sentença
|
2007
|
2008
|
2009
|
2010
|
2011
|
2012(até ago) %
|
Improcedência
|
7
|
4
|
5
|
2
|
2
|
1 13,20
|
Procedência
|
42
|
18
|
40
|
17
|
12
|
9 86,79
|
A sentença de improcedência é aquela em que a paternidade
não é reconhecida. Na de procedência, o réu é reconhecido como pai. Em ambas
estão incluídas as ações em que foram ou não feitos os exames de DNA.
O resultado da média dos últimos 5 anos e 8 meses, relativo
às ações julgadas procedentes alcançou 86,79% e das julgadas improcedentes
13,20%.
Deve-se considerar a inexistência dos dados relativos a
manutenção ou reforma das decisões em grau de recurso de apelação. Não se
esqueça que sendo realizado o exame de DNA e o resultado positivo é provável
que a sentença de reconhecimento seja mantida. Contudo, sem o exame há diversas
possibilidades, inclusive de anulação de sentença para produção de outras
provas, o que é comum ocorrer.
Depreende-se da Tabela que nos anos de 2007 e 2008 houve
percentual de procedência menor do que dos demais anos com progressão nos anos
seguintes e que o número de processos diminui sensivelmente.
O que se conclui é que na imensa maioria dos casos o réu
indicado como pai é, de fato, o pai do autor da ação de investigação, 86,79%
dos processos reconhecendo o pai ou porque foi feito o exame e o resultado deu
positivo ou porque, mesmo sem exame, o Juiz entendeu que a prova produzida o
convencia que o réu era o pai, ou ainda, que a ausência do pai ao exame de DNA
implicaria na presunção de que era o pai.
Esse resultado pode servir para amparar as decisões quanto à
concessão de alimentos provisórios quando a mulher está grávida e não
fez exame de DNA, ou mesmo nas ações de investigação de paternidade
fixando alimentos desde o início da ação fundamentando no superior
interesse da criança e no fato do legislador ter concedido esta proteção
ao nascituro com maior razão deve conceder à criança.
Ainda deve ser investigado se há influência no resultado
final do processo o fato da mãe representar o filho, assumindo o curso da ação,
ou a ação ser proposta apenas pelo filho, já maior de idade. Esse dado parece
ser importante porque a mãe é que indica quem pode ser o pai. Não ter
ingressado com a ação enquanto o filho era menor de 18 anos pode ser relevante,
como por exemplo não desejar contar a ele quem era o verdadeiro pai. Quando o
filho com mais de 18 anos ingressa com a ação pode ter sido informado ou concluído
erroneamente quem era seu pai. Nestes casos não se pode atribuir à mulher a
indicação errônea do réu.
Esta
é uma investigação inicial e restrita aos processos de uma única Vara de
Família, mais pesquisas devem ser realizadas para que possamos compreender
melhor o tema e conferir maior e melhor proteção às nossas crianças e jovens.
Fonte: http://direitosdasfamilias.blogspot.com.br/
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