outubro 31, 2012
Filha criada por patrões tem maternidade e paternidade socioafetiva reconhecidas
Com a morte da mãe biológica, mulher foi criada como filha pelos
patrões, desde seus quatro anos de idade. Já no leito de morte, a mãe,
doméstica da família, solicitou à patroa que ela cuidasse da filha caso
morresse. A mãe afetiva concordou com o pedido, obtendo a guarda
provisória da menina. Considerando a afetividade e os laços familiares
construídos nessa relação, a 4ª Câmara de Direito Civil do Tribunal de
Justiça de Santa Catarina reconheceu a existência de paternidade e
maternidade socioafetiva. De acordo com o desembargador Jorge Luiz da
Costa Beber, as provas dos autos revelam que à filha socioafetiva,
autora da ação, foi dedicado o mesmo afeto e oportunidade dadas aos
filhos biológicos, sendo considerada membro do núcleo familiar.
“A prova dos autos é exuberante. No baile de debutantes, a filha
socioafetiva foi apresentada como filha do casal. Quando ela se casou,
eles foram contados como pai e mãe. Ela tinha os irmãos biológicos como
irmãos. Quando nasceu o filho da filha afetiva, ele foi tido como neto
recebendo, inclusive, um imóvel dos avôs afetivos. Trata-se de uma
relação afetiva superior ao simples cumprimento de uma guarda”, avalia o
desembargador.
Com a morte da mãe afetiva e conseqüente abertura do processo
sucessório, a filha socioafetiva foi excluída da respectiva sucessão.
Ela entrou com uma ação de reconhecimento de paternidade e maternidade
socioafetiva para todos os fins hereditários. “Com o óbito da mãe
afetiva, abriu a sucessão e a filha afetiva não foi contemplada. Durante
a disputa hereditária, abandonou-se esse amor construído por tantos
anos”, afirma o desembargador. A decisão foi unânime.
Para a diretora do IBDFAM/SC, Mara Rúbia Poffo, a dissolução de uma
união ou a condução de uma partilha de bens entre irmãos deve ser
administrada com a ciência de que inúmeros sentimentos íntimos estarão
misturados às questões jurídicas, exigindo do procurador, do julgador e
demais auxiliares um preparo técnico e subjetivo para não apenas aplicar
a lei ao caso concreto, mas, sobretudo, garantir a dignidade humana dos
membros daquela família desconstruída. “Deste modo, entendo que a
decisão do nobre Julgador foi ao encontro a todos os atuais princípios
de direito de família, demonstrando, inclusive, uma tecnicidade própria
de um familista”, completa.
Repercussões Jurídicas
Para o desembargador, é preciso avançar nessa temática e ampliar
esse tipo de decisão para outras relações como as homoafetivas e o
reconhecimento de filhos de casais do mesmo sexo. A diretora do IBDFAM
considera que a decisão vem corroborar com a noção de que o afeto é, no
atual direito de família, o princípio basilar de qualquer relação,
independentemente de cor, credo, condição econômica, social, etc.
“Entendo que a decisão não quis abordar exclusivamente a relação de
filha de doméstica com os patrões, mas sim uma relação de amor, carinho,
cuidado, que pode nascer em qualquer relacionamento, independentemente
do motivo que inicialmente ligou as pessoas envolvidas”, completa.
Ela relata ainda que todas essas decisões são um indicativo de
novos tempos para o direito de família em Santa Catarina. “Esta decisão,
bem como a (1) fixação de alimentos provisórios devidos pelo padrasto
ao enteado (filho socioafetivo), proferida pela juíza da 1ª Vara de
Família de São José, em Santa Catarina, Adriana Mendes Bertocini, (2) o
afastamento da reparação pecuniária por dano afetivo (enfrentada pela 4ª
Câmara Civil, TJSC, em acórdão sob relatoria do também desembargador
substituto Jorge Luis Costa Beber), (3) os alimentos compensatórios
(Agravo de instrumento n., Relator: Des. Ronei Danielli), (4) a
desconsideração da pessoa jurídica pela interposta pessoa física (Agravo
de Instrumento n., Relator: Des. Eládio Torret Rocha).Todas as recentes
decisões mostram que o Tribunal Catarinense está se inclinando ao atual
direito de família a aproximando-se de cortes como a de Minas Gerais e
Rio grande do Sul, berços das decisões pioneiras em nosso país”,
exemplifica.
AUTHOR:
Dimitre Soares
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