setembro 26, 2012
Entrevista: Direito de Família evolui com decisões da Justiça em sociedade com pouco livre arbítrio
Muitas decisões da Justiça na área do Direito de Família vêm
assegurando garantias e direitos sustentando-se nos princípios da
liberdade individual, da autonomia da vontade e nos direitos de
personalidade. São decisões avançadas que inspiram o trabalho do IBDFAM e
que, de certa forma, também ressoam posições da entidade. O Judiciário,
por sua vez, está inscrito numa sociedade que parece cada vez mais
decidida a defender as liberdades individuais. Ao apostar nestes sinais,
estaríamos nos encaminhando para uma comunidade nacional e mundial que
preza e defende os valores da personalidade. Logo, mais propícia a
comungar com os avanços conquistados pelo Direito de Família. A doutora
em Educação e professora da pós-graduação do Instituto Federal
Sul-Rio-grandense (Ifsul), Cynthia Farina, diz acreditar que essa
sociedade de cidadãos “emancipados” pela tecnologia que interliga a
todos pela internet ou pela identidade comum de “consumidores” ainda
está longe de se constituir numa sociedade de pessoas com
livre-arbítrio. Confira o bate-papo com a professora.
Acionada pelos cidadãos que requerem direitos negados a
minorias ou norteada pelos princípios constitucionais de 1988, a Justiça
precisa enfrentar o risco de inovar e vem inovando em várias situações
do Direito das famílias. Fale sobre este enfrentamento do risco ditado
pelas necessidades.
As transformações sociais nos modos de vida passam por mudanças em
sua sensibilidade -por aquilo que somos capazes de registrar
emocionalmente e pelo que rejeitamos, cultural e moralmente- para que
depois se constitua um saber. Parece-me que essas mudanças requerem do
Judiciário uma escuta afinada. Mesmo que elas não sejam demandas de toda
a sociedade, ressoam em toda ela.
Cidadãos conectados à rede mundial de computadores, sempre
atentos aos direitos de consumidor. Para onde aponta a tensão entre o
aparato atual de tecnologia e de estímulo à livre determinação de cada
um com os condicionamentos culturais de todos?
Se indagarmos a ideia de ‘livre determinação’ dos sujeitos, veremos
que ela é menos livre do que pensamos ou até gostaríamos. A partir do
século XVIII, especialmente, foi construído um tipo de liberdade que, ao
mesmo tempo, seria de todos, mas vivida por cada um. As últimas décadas
têm acentuado essa construção. Curiosamente, as experiências de ser
quem somos, nos dias de hoje, se associaram à economia de mercado.
Nossas imagens se desenham nesse mercado, com a aura dos bens e serviços
que podemos ou não consumir. Nesse sentido, o leque de
experiências/produtos gerados e oferecidos pela indústria de marketing
-seja da educação, do turismo, da medicina estética, etc, precisou
particularizar-se. Mas, veja só, nossos desejos parecem cada vez mais
semelhantes, homogeneizados. Se observarmos com atenção, talvez vejamos
que os modelos de êxito econômico, político, estético, com os quais nos
medimos são bastante parecidos... Os meios de comunicação associados à
rede internacional de computadores solicita todo o tempo nossa opinião
sobre fatos diversos, depois as verificam em pesquisas, mas o certo é
que essas opiniões repetem o mesmo. Parece que contamos como indivíduos,
cada um de nós, mas, chamados a expressar nossas vivências e supostas
ideias, elas reiteram, em grandíssima medida, o mesmo, as mesmas
‘opiniões’. As questões culturais, de época, região, contam, certamente,
mas a associação global das nossas vidas ao tecnológico informacional
tem mostrado que o livre arbítrio não é tão livre.
É possível pensar numa educação para a convivência e a cidadania? Quais seriam as bases para se pensar um projeto como esse?
Pondero que a institucionalização de um projeto educativo
comprometido com determinado lugar e suas reais questões envolve um
processo de formação do subjetivo, ao mesmo tempo que sua expressão
objetiva em tal o qual direção. Isso nem sempre é breve. A escolarização
‘para todos’ em nosso país é um processo recente. E, como sabemos, mais
recente ainda nesta ou naquela região. O tempo institucional não é do
tamanho da vida de cada indivíduo, apesar de as instituições agirem
também capilarmente na vida de cada um de nós, e mesmo que sejam essas
vidas que demandem mudanças das instituições. A ponderação que faço
parece pouco otimista, mas me parece que não podemos ceder a respostas
ou proposições que ‘caiam bem’ em nossos ouvidos, ou que sejam
idealizações pouco fundadas para o campo da educação. Viver com o outro
não é simples, mesmo que os projetos educacionais tantas vezes o
simplifiquem. Arrisco dizer que oferecer educação realmente para todos
seria um importante começo. Mas como os processos de formação não têm
começos facilmente definíveis, esta poderia ser uma dinâmica concreta
para considerarmos sem hipocrisias projetos pragmáticos e situados de
educação para a convivência e amparado em experiências do e com o
coletivo.
A quem cabe pensar essas soluções? Ao Governo, à chamada sociedade civil organizada, às escolas?
Às instituições de governo, sem dúvida, mas também a cada um de nós
que sente ter algo a ver com essas questões, seja no âmbito da própria
escola, de uma organização coletiva maior ou menor, institucionalizada
ou não.
Esta é uma resposta honesta e parece ser uma resposta equilibrada.
Não obstante, serve de pouco obviar que a formação social, política,
educativa tem nos constituídos através de interesses individualizantes
–apesar de bastante homogêneos- o que não favorece, especialmente, a
organização e a expressão coletiva. Mas, alguns filósofos, críticos de
arte, ativistas sociais e políticos têm nos chamado atenção para a
emergência de algumas experiências nesses âmbitos que apostam na
convivência, na organização e no coletivo de outras formas. Isso deve
servir como estímulo para nós.
AUTHOR:
Dimitre Soares
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