Os riscos e as vantagens de unir as finanças no namoro
12/06/2012 | Fonte: Revista Exame
Definir onde começam e terminam as fronteiras de
um namoro hoje em dia não é fácil, principalmente quando se pensa que
muitos casais que se consideram namorados já unem a vida financeira
antes mesmo de pensar em dividir o mesmo teto. Começa com as viagens
pagas a dois e, quem sabe, até uma conta de celular conjunta, podendo
chegar à compra de um carro e até de um imóvel. Mas até que ponto é bom
fazer a união financeira antes de uma união mais formal? E se ocorrer
uma separação, será que pode haver problemas?
O consultor
financeiro Gustavo Cerbasi, autor de livros como "Casais inteligentes
enriquecem juntos" e "Os segredos dos casais inteligentes", acredita que
essa união financeira ainda no namoro é positiva para quem pensa em ter
finanças saudáveis com o companheiro. "O risco dessa união de planos
financeiros é grande, mas experimentar o planejamento é saudável e
prepara o casal para experiências mais complexas, como comprar uma casa
ou planejar o casamento", diz Cerbasi.
Os casais de namorados
adeptos dessa prática podem, por exemplo, abrir uma conta ou poupança
conjunta para realizar os sonhos futuros e até comprar bens em conjunto:
de um simples videogame a um imóvel, passando talvez por um carro. Mas
para que não haja dores de cabeça em caso de separação - ou mesmo na
eventualidade da morte de um dos membros do casal - é preciso tomar
alguns cuidados.
Se o namoro é um namoro mesmo - duas pessoas que
se relacionam, geralmente vivendo cada um em sua casa, mantendo
relações sexuais, com certa estabilidade, mas nenhum laço mais forte que
isso - a divisão dos bens comuns na hora da separação é informal, mas
deve seguir os princípios de uma sociedade. Ou seja, a partilha deve se
dar na proporção despendida por cada um para a aquisição daqueles bens.
Se a contribuição foi igualitária, o mesmo deve ocorrer com a divisão
dos valores; se um tiver dado 30% e o outro 70% do valor do bem, a
divisão deverá ocorrer na mesma proporção.
Ou seja,
diferentemente do que ocorre na comunhão parcial de bens, na partilha
informal do namoro, as despesas apenas são desfeitas, e cada um vai para
seu lado com a parte com que contribuiu. É claro que, na ausência de
contratos e documentações mais formais, pode haver contestação na
Justiça desse tipo de partilha, mesmo em um namoro. Gustavo Cerbasi
recomenda que se documente tudo em planilhas e que cada membro do casal
tenha a sua. Além de ser uma boa ferramenta para o controle do casal,
essas planilhas podem servir de prova do que foi acertado.
Quando
a união financeira envolve contratos - de compra e venda de carros e
imóveis, de uma viagem ou um intercâmbio a dois, por exemplo - pode
haver também um contrato entre os membros do casal definindo a forma de
divisão caso o relacionamento seja desfeito. Esses cuidados e regras
também são válidos em caso de morte de um dos namorados. Nesta situação,
a partilha deve ser feita entre a pessoa remanescente e a família do
falecido.
"O casal deve procurar documentar tudo isso e ter a
conversa do 'vai que não dá certo'. Não é questão de desconfiança, é
para evitar constrangimentos e desentendimentos entre ambas as famílias
futuramente", diz Cerbasi.
Seu namoro é um namoro mesmo?
Existe,
porém, a possibilidade daquele namoro não ser mais considerado, pela
Justiça, como um simples namoro. Anda cada vez mais difícil definir o
que é um namoro, e não apenas pela demora dos casais em assumir um
relacionamento firme; quando a coisa fica séria, os limites da relação
se tornam novamente nebulosos. Um namoro de longa data, em que o casal
já tenha começado a construir um patrimônio, não poderia se transformar
em uma união estável?
A importância dessa definição está no fato
de que uniões estáveis - formalizadas ou não em cartório - estão
sujeitas, a princípio, ao regime de comunhão parcial de bens, em que
ambos os companheiros têm direito à metade do patrimônio constituído
após o início da união em caso de separação. E aí entram até os bens
adquiridos e investimentos realizados por apenas um dos membros do casal
durante o período da união.
De acordo com o advogado Rodrigo da
Cunha Pereira, presidente do Instituto Brasileiro de Direito de Família
(IBDFAM), o medo desse tipo de divisão faz muita gente procurar seus
serviços com a pergunta "o que eu faço para poder namorar em paz?".
Segundo ele, são muitos os fatores que definem o que é uma união
estável, não havendo, atualmente, duração mínima de relacionamento ou
uma condição única que a caracterize.
Por exemplo, nem o sexo,
nem a existência de bens ou contas comuns são determinantes para que um
namoro possa ser considerado legalmente uma união estável. "Antigamente
os relacionamentos de mais de cinco anos eram considerados uniões
estáveis; ou então, se havia relação sexual era união estável e, se não,
era namoro. Mas hoje em dia, com a mudança de costumes, nada disso tem
validade", diz o advogado.
Para que um relacionamento seja
considerado união estável é preciso que esteja presente uma série de
elementos que, somados, caracterizem a formação de uma família: ter
filhos, viver sob o mesmo teto, ter um relacionamento estável e
duradouro e ter bens em comum são alguns desses indicativos. Isolados,
porém, não são determinantes. "Até a compra de um imóvel em conjunto,
isoladamente, não quer dizer nada. Sinaliza a intenção de constituir
família, mas pode ser apenas um noivado", exemplifica.
O fator
que mais pesa para caracterizar a união estável é a chamada dependência
econômica: um sustenta o outro ou os dois dependem um do outro para
sobreviver. Mas não só. Se um for dependente do outro no plano de saúde,
por exemplo, este é um forte indício de união estável. Essa incerteza
toda gera uma série de processos judiciais. "Geralmente, o homem diz que
era só um namoro, mas a mulher diz que era uma união estável", conta
Pereira.
A união estável pode ser lavrada em cartório, mas também
pode existir informalmente. Para se resguardar na situação de o namoro
"se tornar automaticamente uma união estável", Rodrigo da Cunha Pereira
afirma existir também a declaração de namoro. "Às vezes eu faço uma
declaração de namoro que define que, se aquele namoro se tornar uma
união estável, será em determinado regime de bens, por vontade de ambas
as partes. Isso resguarda o casal caso o namoro possa passar a ser
considerado uma união estável a certa altura", explica o presidente do
IBDFAM.
Mesmo com riscos, união financeira pode valer a pena.
Gustavo
Cerbasi defende que, em um casamento ou união estável, em que o regime
de bens é claro, os casais unam suas rendas em um mesmo planejamento
financeiro para quitar as despesas da família e bancar os sonhos em
comum. Deste bolo, sairia uma mesada de igual valor para cada um fazer
seus gastos pessoais, mas ambos devem ser participativos no planejamento
financeiro. Ao defender a união financeira ainda no namoro, Cerbasi não
se refere necessariamente a esta união verificada no casamento; mas
acredita que é um bom test drive para conhecer a postura do outro em
relação às finanças.
"Eventuais maus hábitos podem mudar nesse
processo, ou então não mudarem e o casal perceber que não tem afinidade
no aspecto financeiro. É uma maneira, inclusive, de evitar um mau
casamento no futuro. Num namoro, assim como se experimenta o convívio
entre as famílias, as afinidades sexuais e os gostos em comum, também se
deve experimentar com o dinheiro, para ver se os objetivos combinam",
diz.
Casais de relacionamento ainda jovem podem começar a falar
de dinheiro ao iniciar algum tipo de planejamento conjunto. "Abra uma
conta conjunta para um objetivo específico; junte dinheiro para uma
viagem ou um programa a dois mais caro", aconselha Gustavo Cerbasi.