julho 12, 2010

“Estou pedindo a tua mão, e um pouquinho do seu braço...” 20 anos sem Cazuza, como a ironia poética faz falta no Brasil de hoje!!




Semana passada completou 20 anos da morte de Cazuza, um dos maiores ícones da música brasileira dos anos 80. Lembro-me da capa da Revista Veja noticiando o falecimento do cantor, vitimado pelo HIV. Eu tinha apenas 09 anos naquele domingo de tarde em que a revista chegou, com a foto de Cazuza, já definhado pela doença, naquele então, ainda pouco conhecida e extremamente vinculada ao preconceito por ser tida como uma doença gay.

Meu irmão comprou um CD de Cazuza quando eu era adolescente, e pra mim foi uma surpresa incrível escutar as letras de rock cantadas com tanto deboche e com aparentemente tão pouca seriedade, mas ao mesmo tempo com um talento inconfundível e com uma musicalidade inata.

Cazuza sempre foi assim, extremamente controverso. Filho de um rico e muito bem postado empresário de uma grande gravadora carioca, fazia questão de chocar todos ao seu redor com seu estilo de vida desregrado, promiscuo e absolutamente independente. A sua biografia, inclusive, chega a causar náuseas em certos momentos. As drogas passaram a ser um de seus passatempos, assim como se alcoolizar desenfreadamente a qualquer hora do dia, em qualquer dia da semana. Cazuza procurou, e conseguiu representar muito bem o ideal de contradição numa sociedade burguesa em que ele mesmo era membro.

Do jeito quase escatológico, entretanto, 20 anos depois, sobressaíram suas canções belíssimas, dignas de um poeta completo, moderno, urbano e refinado. Foi criado dentro do ambiente musical, e se tornou seu produto, mas trouxe um toque pessoal que ficará presente ainda por muitas gerações. Basta, por exemplo, a título de exercício criativo, escutar suas canções na voz de outros artistas, num compasso mais lento, para perceber a naturalidade da poesia que jorrava do gênio de Cazuza. As versões de Zé Ramalho para “Bete Balanco”, de Caetano Veloso para “Todo amor que houver nessa vida” e de “Poema” na voz de Ney Matogrosso são impressionantes e deixam perceber que existia muita literatura na produção deste artista complexo.

O inventário cultural de Cazuza vai muito além de músicas marcantes (apenas alguns exemplos: “Todo Amor Que Houver Nessa Vida", "Pro Dia Nascer Feliz", "Maior Abandonado", "Bete Balanço", "Bilhetinho Azul", "Exagerado", "Codinome Beija-Flor", "Ideologia", "Brasil", "Faz Parte Do Meu Show", "O Tempo Não Pára" e "O Nosso Amor A Gente Inventa", dentre muitas e muitas outras. Trata-se, na verdade, de um legado de produção cultural crítica, antenada, irreverente, mas sem precisar recair nas mesmices ideológicas, radicais ou partidárias que parecem – ainda – funcionar tão bem no Brasil.

Lembro-me de, na época de faculdade, me pegar dedilhando ao violão uma “versão” bem lenta de “Vida Louca” (“Vida louca/ vida breve/ se eu não posso te levar/ quero que você me leve/ vida louca/ vida imensa/ ninguém vai nos perdoar/ nosso crime não compensa....”). Naquele período meu ouvido “não escutava” quase nada que não fosse Alceu Valença, Geraldo Azevedo ou Zé Ramalho. Acho que foi ali que percebi como a geração musical dos anos 80 nos marcou profundamente (Legião Urbana, Lulu Santos, Herbert Viana e etc...), e ainda vai deixando suas marcas ao longo do tempo.

POEMA - Cazuza e Frejat

Eu hoje tive um pesadelo
E levantei atento, a tempo
Eu acordei com medo
E procurei no escuro
Alguém com o seu carinho
E lembrei de um tempo
Porque o passado me traz uma lembrança
Do tempo que eu era ainda criança
E o medo era motivo de choro
Desculpa para um abraço ou consolo

Hoje eu acordei com medo
Mas não chorei, nem reclamei abrigo
Do escuro, eu via o infinito
Sem presente, passado ou futuro
Senti um abraço forte, já não era medo
Era uma coisa sua que ficou em mim
E que não tem fim
De repente, a gente vê que perdeu
Ou está perdendo alguma coisa
Morna e ingênua que vai ficando no caminho
Que é escuro e frio, mas também bonito porque é iluminado
Pela beleza do que aconteceu há minutos atrás

3 comentários:

  1. Olá, li alguns dos seus posts, o blog é muito bom resolvi seguir, espero que nao se encomode
    e cazuza é perfeito!!!!!!!!!!!
    bjos

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  2. olá, que bom que vc gostou do Blog! Não deixe de mandar comentários! Muito obrigado!

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  3. O poeta Cazuza deixou um legado musical que superou os paradigmas de seu tempo. Seu talento agregava um estilo frenético, irreverente, boêmio, impactante e acima de tudo, original.
    Não consigo compará-lo a ninguém.
    O seu legado musical reflete o protesto, a contradição do caráter humano, as emoções ocultas que dilaceram a alma, os sonhos utópicos...o viver intensamente, mesmo que seja em poucos anos.
    Quanto realismo cantado e vivido!!!
    Parece que o verdadeiro trabalho de um poeta só é realmente contemplado, valorizado e entendido, quando a morte lhe ceifa a vida. Creio que nesse sentido, a morte não seja essencialmente o fim. Mas, o começo de uma nova história. Afinal, o tempo não pára...não pára não.


    Daveslley Oliveira Cardoso

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